Por Mayanna Velame
Os ponteiros registram meia-noite. Esse é o último
horário que meus olhos conseguem enxergar no relógio pendurado na parede da
sala.
Desesperadamente, me lanço contra a janela fechada.
Estilhaços de vidro perfuram meu rosto, meus braços e meus dedos. A queda me
fragiliza. Sinto-me fraco e indisposto. Agora eu não posso olhar para trás.
Estou sendo perseguido com fúria. E meu caçador está com uma espingarda nas
mãos, pronto para atirar em seu alvo.
Corro o mais rápido que posso. Tropeço entre galhos secos
e raízes retorcidas. Estou fugindo feito um animal ferido e abatido... Não
posso desistir, não posso!
O suor transborda dos poros, umedecendo minha pele.
Retiro o casaco, desabotoo a camisa branca de mangas compridas. Estou suando
veemente a cada légua percorrida. Pouco a pouco, minhas pernas sentem o peso do
cansaço. A noite imponente me assombra, perturba-me. A lua cheia enfeita o céu.
Ao seu redor, farrapos de nuvens que ora se exibem, ora se escondem entre a folhagem
de árvores centenárias.
Meu coração bate frenético. Paulatinamente, vou perdendo
o fôlego. O caçador se aproxima. Vejo sua sombra refletida na terra enluarada.
Posso até sentir sua respiração ofegante.
Ele não me matará!
Os grilos começam a cricrilar mais alto. O coaxar dos
sapos mistura-se com minhas pisadas sobre as folhas secas. Acelero os passos. Meu tempo está se
extinguindo. Uma vertigem me tortura. O mundo gira ao meu redor sem cessar. Num
momento, deixo de andar, inspiro fundo, cerro meus olhos. De repente, escuto um
tiro perdido ecoando na mata.
Meu ombro esquerdo está sangrando. Fui atingido pelo
caçador. Cinicamente, ele solta uma gargalhada demoníaca e assustadora.
Encontro-me encurralado, sou ferido em uma das coxas. A morte parece iminente.
Meu assassino se aproxima. Estamos frente a frente.
Durante alguns minutos, ele e eu permanecemos taciturnos. Seu olhar reflete
ódio e decepção; mapeando sem restrição o meu medo. A verdade é que não acho
forças para falar e me justificar. Palavras benevolentes fogem da minha boca.
Até que, então, o caçador rompe com a nossa omissão:
– Maldito, saia da minha frente!
– Você já me deu dois tiros. E agora estou aqui, diante
de você. Por que não me mata logo?
– É isso que você quer?
Feito um felino endiabrado, fujo pela floresta (esquivando
meu corpo de qualquer obstáculo). O caçador continua atrás de mim. Ele me dá
cinco minutos para eu chegar até uma cabana abandonada ao Norte.
Confiar nas palavras de seu inimigo jamais será uma boa
pedida. Agora estou diante de um precipício; tendo o caçador logo atrás. E não
havia nem uma cabana...
– Seu idiota, agora pule!
Esquadrinho bem os olhos marejados. Enxugo o suor do rosto
com as costas das mãos. Corajosamente, peço que ele me mate e jogue meus restos
mortais no precipício.
O caçador está cada vez mais enrubescido. Sem hesitar,
ele mira sua arma em direção às minhas têmporas. Em seguida, aperto os olhos e
recebo uma coronhada na nuca. Como um saco de batatas, meu corpo é arremessado no
abismo... Estou caindo.
Minutos depois, a água do rio me banha. Meu corpo
estremece. Não sinto mais os dedos e nem os pés. Tento respirar, tento
sobreviver. Sou um homem tétrico, minha vida segue como um barco à deriva,
sendo soprado pelo vento – reconhecendo os erros que cometi e os pecados que
nunca neguei.
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