Por Amilcar
Neves*
Como nos velhos joguinhos
eletrônicos: você inicia a rodada com determinada quantidade de vidas. A cada
besteira que fizer, a cada decisão equivocada que tomar, a cada golpe fatídico que
sofrer do azar, perde uma vida. E assim prossegue: até ganhar o jogo ou,
aniquilado, entregar a derradeira vida que lhe restava. Então você desliga o
jogo; e o reinicia para desfrutar de uma penca renovada de vidas frescas e, no
fundo, imortais. Não há jogo eletrônico que leve a sério a perda de vidas a
ponto de impedi-lo de jogar porque, certo dia, conforme registrado na memória
indestrutível do game, você perdeu a última vida de que dispunha.
Existe uma geração quarentona que
se criou sob a égide dessa mitologia.
Agora são as amizades que se
contam como vidas inesgotáveis nas redes sociais. Quero ter muitos amigos,
quero mostrar prestígio, quero que saibam quantos seguidores arrebanhei, quero
que sintam o peso massacrante da minha popularidade – para este fim, preciso
ampliar continuamente a quantidade de amigos que se conectam, não a mim,
pessoalmente, mas ao perfil eletrônico, falso ou sincero, que criei para mim,
segundo meu gosto e desejo.
Então, passamos a trocar
curtidas, comentários e compartilhamentos. Passo a identificar minhas tribos
conforme os meus gostos: música, cinema, lugares, jogos, pessoas reais próximas
ou famosas, times de futebol. Aqui começa a se insinuar uma zona nebulosa: quem
é fanático por um clube detesta os adversários diretos. Política, ideologia e
religião vincam mais as divisões. Podemos aceitar o debate, a troca de ideias,
as opiniões contrárias, os argumentos inteligentes (quando e se existem), os
pontos de vista divergentes; mas nem sempre estamos dispostos a nos expor a
tamanha variedade.
Então cortamos dessas nossas
relações em rede, como as vidas perdidas dos jogos, aqueles "amigos"
que pensam diferente e que, por consequência, nos inquietam ao abalar certezas
sacramentadas, comprovadas, estabelecidas. Feito isto, retornamos apascentados
ao conforto das nossas verdades. Que preservamos intatas com zelo animal.
Mané da Ilha Osório
Detectou-se movimento
subterrâneo, frondosamente ramificado, que trabalha por conceder a Manoel
Osório o título honorífico, e honroso ao supremo grau, de Manezinho da Ilha.
Diplomado, o homenageado poderá, de direito, assinar-se Mané Osório. Os surdos
rumores sobre tal proposta começam a ser percebidos por ouvidos mais apurados.
Preocupado com tal audibilidade,
Manoel Osório tem disparado discretos, porém enérgicos, sinais de que não
aceitará a honraria e que deseja, inclusive, que cesse de vez o incômodo
burburinho em torno do assunto.
Único Osório a não retornar à
casa – o Sul do Estado – conforme secular tradição Osória, Manoel Osório teme
ser deserdado pelos Osórios todos, o que, financeira e existencialmente
falando, seria o seu fim. Não por menos, acaba de adotar o lema do Sul para
o Mundo.
Retornos
– Informa o escritor Júlio de
Queiroz que a placa da Academia Catarinense de Letras, desencravada da fachada
da Casa de José Boiteux, já está de volta à ACL: foi encontrada na casa de um
craqueiro procurado pela Polícia. A do Instituto Histórico e Geográfico, que
era de bronze, evaporou-se. Ou fundiu-se.
– Informa a Alta Comissária da ONU para Direitos Humanos, Navi Pillay,
que, até a manhã de 31 de julho, "mais de 1,2 mil palestinos já morreram,
contra pouco menos de 60 israelenses", durante a carnifica deste mês no
Oriente Médio; falta contabilizar os feridos. Mesmo com o "placar" de
20 a 1, nenhuma dessas vidas voltará à casa.
*Crônica publicada no jornal "Diário
Catarinense" de 01.08.14
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