Por Amilcar Neves*
Conheci Gabriel García Márquez - sua
obra, não o autor - em Buenos Aires, por meados dos anos 1970. Vivíamos então no Brasil a descoberta da vasta e maravilhosa literatura latino-americana. Dessa safra, para mim, pessoalmente, marcaram-me nomes como Mario Vargas Llosa, Julio Cortázar, Roberto Arlt e o próprio Gabo. Dele, comprei em uma livraria da Calle Florida seu emblemático Cien Años de Soledad, que trago no coração até hoje, livro que qualquer escritor decente gostaria de ter
escrito.
Um dia, porém, depois de
várias outras obras dele, li seu Relato de um Náufrago, de 1955 em sua
versão publicada originalmente na imprensa colombiana. Tomei um susto. Corri
para minha estante, tomei A Balsa do Desespero, de Enzio Tiira, de 1954,
se bem me recordo, e o reli de um só fôlego: pareceu-me então que tudo o que
vinha contado no Relato estava embutido na Balsa. Bem verdade que
relatos de náufragos num mar infestado de tubarões devem transmitir
experiências muito semelhantes.
De qualquer forma, aí que
pude avaliar melhor o tamanho do talento de García Márquez e sua lição sobre como escrever um texto excelente e saboroso a partir de outras obras (se este fosse o caso). Cortázar fez exatamente isso com uma bula de remédio para cefaleia e um tratado acadêmico sobre as enguias.
Como todo
latino-americano, Gabo nasceu náufrago, quase afogado; como gênio da
literatura, sobrevive para sempre em sua magnífica obra.
* Crônica publicada no jornal "Diário
Catarinense" de 18.04.14
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