Por Flávia Marques
Naquele mesmo dia, a mulata e seus passos musicais desceram a rua de chão batido em direção ao bordel à beira do rio para pegar suas coisinhas e agradecer à Dona Iolanda e todas as meninas pelos dias que passara ali. Levava nas mãos um trocadinho, presente do noivo, para que se hospedassem em uma pensão na cidade até o dia do casamento. Dona Iolanda recebeu a notícia com estardalhaço e festejos. Abriu uma garrafa de sidra e distribuiu entre copos improvisados para brindar o fim de uma carreira que ela sabia não ser o dom da moça. Depois que as meninas ficaram satisfeitas com o relato do pedido feito à Harmonia, a dona da casa chamou a noiva a um canto e perguntou:
– Tininha, o rapaz sabe do que aconteceu nos dias que passou aqui?
– Não senhora, Dona Iolanda. Não tive coragem de contar. Sei que ainda não conheceu mulher, e conto com isso para não ser descoberta. Não é justo que eu perca tanto amor porque meu homem chegou atrasado alguns dias. Se ao menos ele não tivesse adoecido...
– Não lamente querida, tudo vai dar certo. Se você fizer exatamente o que eu mandar ele não chegará a desconfiar, mesmo que seja experiente.
A confiança que Harmonia depositava naquela senhora de olhos infantis era tanta que deixou a preocupação de lado e voltou para as perguntas das colegas.
Dona Iolanda nunca faltou a um compromisso e agora não tinha sido diferente. Quando Tácito trocou a estreia da menina por seus cuidados de enfermeira, Iolanda procurou Finório e, como era justo, lhe concedeu o direito de inaugurar os serviços da morena no bordel. Acontece que a moça tinha o poder de enfeitiçar os homens, para sua sorte e desgraça, e seu Finório tornou-se um cliente assíduo e desesperado. Não se satisfez com a noite do prêmio, e voltou em todas as outras depois dela. Sempre que Harmonia voltava da casa do pobre funileiro encontrava o dono da padaria a esperar por ela.
Na noite do pedido de casamento, quando Dona Iolanda avisou ao comerciante de que teria qualquer menina como compensação pelo fim dos serviços de Harmonia, o homem quebrou todo o salão e foi ao hotel a procura da moça. Harmonia não o recebeu. Em seu lugar, mandou um dos empregados do hotel com uma arma à cintura para convencer Finório de que tudo estava acabado. Tinha medo que o escândalo chegasse aos ouvidos do noivo. Decerto ele terminaria tudo se soubesse que estava sendo enganado. Deitada em sua cama, chorando e pedindo aos Céus que aquilo acabasse logo, Harmonia ouviu quando finório foi arremessado à calçada e gritou:
– Isso não vai ficar assim, morena! Você é minha e de mais ninguém!
Harmonia ainda esperou que Finório voltasse para buscá-la, mas nada aconteceu. Dormiu sentada atrás da porta, com medo de um arrombamento.
Pela manhã, tomou um banho e partiu para a casa do noivo decidida a contar a verdade; para não ficar exposta a ameaças. A rua tranquila tinha a cara da vida que queria levar dali para frente. Crianças já brincavam nas ruas e ela imaginou seus próprios filhos ralando joelhos naquelas calçadas. As gargalhadas das crianças deram a Harmonia a esperança de que seria aceita, afinal, o amor de Tácito parecia forte demais para esmorecer diante de uma decepção. Por certo ele ficaria aborrecido, talvez pedisse um tempo para pensar. Harmonia esperaria pelo tempo que fosse necessário. O importante era lutar pelo homem da sua vida. Empurrou o portãozinho com o coração aos pulos, mas confiante. Achou estranho a porta estar aberta e, por um segundo, teve medo do que encontraria. Mas a casa estava mergulhada em silêncio e paz. Dirigiu-se ao quintal já despreocupada e percebeu que havia alguém ali além do noivo. Ao aproximar-se do homem sentado nas raízes do grande e velho carvalho, reconheceu Finório e estremeceu. Só depois viu o noivo deitado no chão, o corpo ensanguentado e imóvel. Sem forças para gritar, olhou para o homem como quem fizesse uma pergunta e ouviu a resposta que tanto temia:
– Eu avisei, morena. Agora volte para o trabalho e nunca mais me diga adeus.
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