sábado, 21 de abril de 2012

Harmonia dos Prazeres - Parte 2 de 2


Por Flávia Marques



Naquele mesmo dia, a mulata e seus passos musicais desceram a rua de chão batido em direção ao bordel à beira do rio para pegar suas coisinhas e agradecer à Dona Iolanda e todas as meninas pelos dias que passara ali. Levava nas mãos um trocadinho, presente do noivo, para que se hospedassem em uma pensão na cidade até o dia do casamento. Dona Iolanda recebeu a notícia com estardalhaço e festejos. Abriu uma garrafa de sidra e distribuiu entre copos improvisados para brindar o fim de uma carreira que ela sabia não ser o dom da moça. Depois que as meninas ficaram satisfeitas com o relato do pedido feito à Harmonia, a dona da casa chamou a noiva a um canto e perguntou:

Tininha, o rapaz sabe do que aconteceu nos dias que passou aqui?

Não senhora, Dona Iolanda. Não tive coragem de contar. Sei que ainda não conheceu mulher, e conto com isso para não ser descoberta. Não é justo que eu perca tanto amor porque meu homem chegou atrasado alguns dias. Se ao menos ele não tivesse adoecido...

Não lamente querida, tudo vai dar certo. Se você fizer exatamente o que eu mandar ele não chegará a desconfiar, mesmo que seja experiente.

A confiança que Harmonia depositava naquela senhora de olhos infantis era tanta que deixou a preocupação de lado e voltou para as perguntas das colegas.

Dona Iolanda nunca faltou a um compromisso e agora não tinha sido diferente. Quando Tácito trocou a estreia da menina por seus cuidados de enfermeira, Iolanda procurou Finório e, como era justo, lhe concedeu o direito de inaugurar os serviços da morena no bordel. Acontece que a moça tinha o poder de enfeitiçar os homens, para sua sorte e desgraça, e seu Finório tornou-se um cliente assíduo e desesperado. Não se satisfez com a noite do prêmio, e voltou em todas as outras depois dela. Sempre que Harmonia voltava da casa do pobre funileiro encontrava o dono da padaria a esperar por ela.

Na noite do pedido de casamento, quando Dona Iolanda avisou ao comerciante de que teria qualquer menina como compensação pelo fim dos serviços de Harmonia, o homem quebrou todo o salão e foi ao hotel a procura da moça. Harmonia não o recebeu. Em seu lugar, mandou um dos empregados do hotel com uma arma à cintura para convencer Finório de que tudo estava acabado. Tinha medo que o escândalo chegasse aos ouvidos do noivo. Decerto ele terminaria tudo se soubesse que estava sendo enganado. Deitada em sua cama, chorando e pedindo aos Céus que aquilo acabasse logo, Harmonia ouviu quando finório foi arremessado à calçada e gritou:

Isso não vai ficar assim, morena! Você é minha e de mais ninguém!

Harmonia ainda esperou que Finório voltasse para buscá-la, mas nada aconteceu. Dormiu sentada atrás da porta, com medo de um arrombamento.

Pela manhã, tomou um banho e partiu para a casa do noivo decidida a contar a verdade; para não ficar exposta a ameaças. A rua tranquila tinha a cara da vida que queria levar dali para frente. Crianças já brincavam nas ruas e ela imaginou seus próprios filhos ralando joelhos naquelas calçadas. As gargalhadas das crianças deram a Harmonia a esperança de que seria aceita, afinal, o amor de Tácito parecia forte demais para esmorecer diante de uma decepção. Por certo ele ficaria aborrecido, talvez pedisse um tempo para pensar. Harmonia esperaria pelo tempo que fosse necessário. O importante era lutar pelo homem da sua vida. Empurrou o portãozinho com o coração aos pulos, mas confiante. Achou estranho a porta estar aberta e, por um segundo, teve medo do que encontraria. Mas a casa estava mergulhada em silêncio e paz. Dirigiu-se ao quintal já despreocupada e percebeu que havia alguém ali além do noivo. Ao aproximar-se do homem sentado nas raízes do grande e velho carvalho, reconheceu Finório e estremeceu. Só depois viu o noivo deitado no chão, o corpo ensanguentado e imóvel. Sem forças para gritar, olhou para o homem como quem fizesse uma pergunta e ouviu a resposta que tanto temia:

Eu avisei, morena. Agora volte para o trabalho e nunca mais me diga adeus. 

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