Por Mayanna Velame
Nasce mais uma noite na cidade solitária. Digo isso
porque, apesar dela nunca dormir, todo cidadão que aqui sobrevive é como eu: sozinho.
Os carros percorrem as ruas, dilacerando o asfalto que recebe a chuva noturna.
Aviões perfuram nuvens arroxeadas, suspensas no ar. Esta cena tão singela – mas
tão especial – é magica para qualquer lunático feito eu. A chuva aumenta seu
furor. As luzes da cidade, mesmo ofuscadas, iluminam o coração das pessoas, que
tentam esconder o rosto do aguaceiro.
Estou encolhido no canto de um bar. Minha garganta, de
hora em hora, é banhada por uma bebida autenticamente maléfica. Não posso fazer
nada. A chuva não para e, por alguns momentos, isso me faz sentir vivo e livre.
Permaneço infeliz, todavia, a felicidade é obtusa.
O tempo deixa pegadas. A chuva traz lembranças de um instante
único, preso em meu passado. É noite em minha vida também. Lembro-me do último
beijo. Foi presente de despedida numa noite chuvosa e hostil. Quem eu amava
partiu, rompendo, de alguma forma, os fios da paixão alojados em mim. Poderia
escrever canções de amor. Tenho vontade de fazer isso agora. Peço um lenço de
papel ao garçom (e uma caneta). Contudo, as palavras continuam aqui, aprisionadas,
como as gotas d’água que caem e não retornam mais ao céu – chorando sobre a
cidade.
A noite traz um sentimento de perda, que insufla minhas
atitudes pueris. Estou cansado, mas não desanimado. Pago o que devo. Começo uma
longa caminhada a lugar nenhum. Chuva que molha os cabelos. Meu espírito se engrandece.
É noite e Deus olha para mim. Ele também sente solidão. Ele vive com o destino
das pessoas em suas mãos. Sim, qualquer tragédia e a culpa é Dele. Ingratos!
Eu continuo a caminhada. Mergulho o pé nas poças d’água.
Estou agindo feito criança. Brinco com os cachorros abandonados, e eles
retribuem o carinho balançando seus rabinhos. Na praça, ando entre bancos
enferrujados. No canteiro, o jardim florido e úmido abriga um pouco da alegria
que me falta diariamente.
Ninguém entende o motivo da minha ação, porém, já não
posso aceitar o lado atroz da vida. Chuto latas de lixo, chuto placas
informativas, distribuo beijos para as mulheres que circulam acompanhadas. Um
pouco de canção ainda me anima.
É noite, meu amor, e o vento sacoleja (sem piedade) os
galhos das árvores. É noite, meu amor, e estou triste... Pois não vejo em mim quem
realmente sou.
Um desejo me acende. Entro no carro. Onde estão as
chaves? Na verdade, sinto-me perdido. Não quero me achar. O perdido é mais
cobiçado que o achado.
Ando pela cidade resfriada. Bares, sonhos, amores. O mundo
é meu, sem tocá-lo. Levanto a cabeça. Deixo o vento atingir a face. Sinuoso,
cruzo as ruas. Sinuoso é meu coração, que não chega a destino algum.
Vejo-me triste. Minha vista turva só me enxerga assim.
Terminarei os dias a contemplar a noite lúgubre. Amanhã é sábado, e talvez eu não
volte a viver. Meus dias são noites, somente noites.
É hora de entender o obscuro. Vou seguindo. Aonde
chegarei? Isso não me cabe responder. Desistir do fim é nunca tentar. Começar a
viver o que nunca foi sonhado. Perdido, estou. Desejo abandonar esse corpo. Penso
em tudo, mas sempre me esqueço de mim.
Continuarei a caminhar. O Sol vai surgir, como em todas
as manhãs. Pessoas acordarão, carros correrão, só que meu coração – preso e
descontente – ainda viverá sem fulgor, pois, para ele, será sempre noite.
Nenhum comentário :
Postar um comentário