terça-feira, 19 de maio de 2015

Dias difíceis

Por Denise Fernandes




R. estava passando por dias difíceis, extremamente difíceis. Alguém havia lhe dito: quando algo está difícil, mas difícil mesmo, faça três coisas úteis no dia, que você redescobre o caminho da facilidade. Não sei o porquê de algumas frases, e momentos da vida, ficarem na memória; marcados na mente e na alma. Acho que R. não sabe – e talvez descubra lendo essa crônica – que sempre lembro dela. Da beleza (e da espiritualidade) dela me dizendo isso. Nos meus dias difíceis, tento fazer três coisas úteis.

Tem dias que são simples, em outros, as tarefas úteis parecem um emaranhado. Lembro então quando mamãe fazia tricô na sua máquina, e vendia. Sobrava, muitas vezes, um emaranho de lãs, e ela me dava para enrolar num novelo de novo. Era difícil. Ela dizia: não adianta forçar, precisa ter paciência.

Quando minha filha nasceu, e me vi sem dinheiro para o mínimo necessário, o útil foi fazer meias e polainas para vender. Jamais imaginei que seria capaz de costurar meias com delicadeza. Medo de desagradar os clientes... Mamãe avisava: não aperta o ponto. Ela me emprestou uma de suas máquinas de tricô, e me vi com o enorme desafio de ser humilde e útil.

Quando era criança, eu achava que seria uma mulher de sucesso, uma executiva poderosa, porque ia super bem na escola, principalmente em matemática. Achava que ia comprar muitos presentes para a minha mãe, torrar dinheiro. Pelo que os adultos diziam ao meu redor, achava que isso era o the best da vida.

Só na adolescência descobri que não era. Não só pensando, mas conhecendo pessoas realmente ricas e podres e vazias. Não tenho a menor saudade dessa gente. Nem consideração. De que adianta ter dinheiro, se o interior está vazio?

Lembro-me de um dos muitos babacas que conheci na minha vida. Ele dizia: dinheiro não traz felicidade, manda buscar. Isso eu pago pra ver. Manda buscar? Espera sentado, idiota. E tem tanto idiota. Minha sorte é que não estou à venda, nunca estive. Não é questão de preço, o grande lance aí é a verdade. E a verdade não está à venda.

Uma outra imbecil me disse que eu era inteligente, e que eu ia “emburrecer” lavando louça, cuidando da casa e de crianças. Acabo de ariar uma panela de pressão, onde o feijão grudou. Poxa, imbecil, não parece que estou mais burra. Burra é você que ignora a vida. Nunca disse isso a ela, para quê perder tempo, se tempo é tudo o que temos? Tempo comprido, tempo curto, tempo de chorar, de varrer a casa, de tomar a chuva, e perder de novo o guarda-chuva. Tempo de dívidas, de incertezas. Um pouquinho de tempo. Temos bem pouquinho. Minha mãe me disse: fique atenta, Denise, que a vida passa em dois segundos. Parecem apenas dois segundos. Tento ficar atenta.

Outra coisa que estou tentando entender. Uma outra frase de mamãe: vergonha é roubar, e não poder carregar. Parece uma frase simples, mas não é. Acho, às vezes, que isso se refere aos limites. E à humildade, uma qualidade que saiu de moda.

Se dinheiro não traz felicidade, porque a preocupação com ele nos rouba a felicidade? O que estamos fazendo aqui? Estamos de passagem. Mas fincados na Terra como árvores. Estamos cheios de amor, mas percebemos mais o ódio. Somos noite e dia. E fogo. Estamos na cratera do vulcão, somos como um cocôzinho de galinha no universo. Mas é nos dias difíceis que percebemos o melhor: se perdermos a luz, nunca mais a encontraremos. E é por causa da Luz que estamos aqui.

Nenhum comentário :

Postar um comentário