Por Amilcar Neves*
Por isso lhe é tão estranho e
difícil: porque ela adora livros.
Sim, há gente que ama os livros.
Mais do que isso: existe gente que coleciona livros que tomam as prateleiras e
os espaços disponíveis. Como uma praga. Livros são uma praga para quem gosta
deles, reproduzem-se de forma vertiginosa. Ganham com isso os vendedores de
estantes e armários embutidos.
Mais importante do que amar e
juntar livros, há pessoas que leem livros. Leem-nos da primeira à última
página, palavra por palavra, atentas e interessadas, sem saltar parágrafos, sem
pular páginas, sem correr direto para o final a fim de saber como termina a
história. Mais impressionante ainda: são pessoas que não conseguem ter as mãos
vazias: finda a leitura de um livro, emendam um outro. E sempre saem
satisfeitas e mais completas da aventura de ler. É gente que vê o que não
percebem os que não leem, é gente que vislumbra as razões e motivações do que
acontece consigo, à sua volta, com o mundo.
Ler. Ler quando os livros são
caros. Mas há livros baratos. Bons e baratos. As livrarias costumam fazer
promoções, geralmente em parceria com editoras. Feiras do livro habitualmente
dão descontos. O pagamento de livros pode ser parcelado. E abundam sebos por
todos os cantos, lugares em que se descobrem obras esgotadas, livros que não
existem mais. Sem contar as livrarias virtuais, que são o terror das congêneres
"de carne e osso" que empregam gente da terra, pagam impostos locais
e giram a economia regional. Mas o fato é que há livrarias virtuais, com preços
inacreditáveis e parcelamentos extensos, como pagar 15 reais por um livro de 40
e, numa cesta de compras de 60 reais, desembolsar 5 por mês durante um ano.
Isso no capítulo das aquisições.
Mas existem as bibliotecas, tanto as públicas quanto as escolares, que
emprestam de graça (há amigos que também emprestam livros, mas não recomendo
esta operação nem mesmo com a própria mãe: livro emprestado é livro perdido,
não há responso que o traga de volta). Se os acervos não são atualizados, cabe
pressionar com veemência e indignação prefeitos e secretários de educação e de
cultura. Ou, em alguns casos, ainda que possa parecer absurdo, o secretário de
turismo ou de esporte, dependendo de onde tenham dependurado a biblioteca.
Uma alternativa para suprir a
necessidade imperiosa de leitura aplica-se, infelizmente, apenas à minoria que
dispõe de um computador de mesa, de um computador portátil, de um tablete ou de
um celular esperto: os livros eletrônicos. Eles também custam dinheiro, mas
existem, legalmente livres e gratuitos, milhares de títulos
"vendidos" de graça, mesmo em português. Todos os clássicos são
encontradiços nesse formato a custo zero. Conheço gente que aproveita o
excedente da hora do almoço para ficar numa praça ou num café lendo seu livro
ao telefone.
Ela é uma pessoa assim, voltada
intensamente para a literatura, uma leitora voraz, o sonho de todo escritor:
ela lê, ela lê em abundância. Outro dia, lia os Cinquenta Tons de Cinza quando,
num dos ápices do livro, faltou-lhe texto: havia duas páginas em branco. E
depois mais duas, e assim até completarem-se 16 páginas de vácuo absoluto.
Escreveu para a editora e deram-lhe instruções sobre como proceder para receber
um novo exemplar.
Esta a sua dor: ela, que venera
os livros e cuida deles com o máximo carinho, precisa agora arrancar a capa do
volume como se extirpam os olhos de alguém e enviá-la pelo correio. Só de
pensar no que precisa fazer dá-lhe náusea.
*
Crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 26.02.14
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