Por Mayanna Velame
Não me importei com a
garoa que descia do céu, naquele fim de tarde. Às seis horas, tomei o casaco e
me dirigi ao Café Lebon’s. Debruçada sobre o balcão, deparei com uma variedade
tentadora de sanduíches. Minha fome deveria ser saciada, imediatamente.
Da minha escassez, ainda
consegui alguns trocados. Pedi então ao garçom – de mangas arregaçadas, corpo
esquálido e olhar tétrico – um sanduíche de pernil e uma caneca de cerveja. A
displicência de seu atendimento enrubesceu-me, mas não a ponto de cancelar a refeição.
Durante a interminável
espera, atentei-me para as vozes e os risos que ecoavam na atmosfera do ambiente.
O tilintar dos talheres e copos acossavam-me. Da cozinha, eu podia ouvir a gordura
da carne crua, salpicando na chapa quente.
As garrafas coloridas
decoravam as prateleiras por trás do balcão. Meus olhos fadigados e sem
esperança permaneceram arregalados, com a oferta abundante de bebidas. Num
momento, pensei em acender um cigarro, espantar em definitivo a solidão e o
tédio daquele lugar. Porém desisti e continuei a contar quantas teias de aranha
enfeitavam o teto.
Minutos depois, o
moribundo garçom apareceu-me equilibrando, em uma de suas mãos, a bandeja que
continha o sanduíche e a caneca de cerveja. Sem me olhar, entregou a refeição.
Com a voz tímida e discreta, me ofertou um “bom apetite”. Agradeci-lhe, acenando
positivamente com a cabeça.
Diante de mim, o
sanduíche apetitosamente reluzia, pedindo para ser devorado. A caneca de
cerveja, gelada, suava em minhas mãos. O líquido amarelo, com espumas
transbordantes, almejava inundar a garganta ressequida.
No entanto, antes mesmo
de abocanhar o primeiro pedaço daquela refeição faraônica, pressenti que alguém
me observava. Hesitei em olhar para os lados. Quando, de repente, uns dedos
finos e trêmulos pousaram sobre meu ombro direito. Voltei-me para trás e,
surpreendente, achei-me com a presença de uma velhinha. Seus cabelos eram
totalmente grisalhos e presos num rabo-de-cavalo mal penteado. O semblante
baço, triste (como aquele início de noite).
A senhora trajava
roupas mofentas e de cheiro nada agradável. As mãos enrugadas seguravam sacos
plásticos brancos e vazios. Nos pés, sandálias sem fivelas. Naquele momento, algo
aconteceu comigo. Durante alguns minutos, a pobre mulher permaneceu intacta e
imóvel, feito uma estátua corroída pela chuva.
Encabulada, tomei uma
decisão. Já não suportava ver aquela mulher plantada ali – sem esboçar qualquer
reação. De sua boca, nenhuma palavra foi proferida. Seu silêncio consumia-me. A
fome, que antes imperava, havia sido extinguida.
Foi então que ofereci à
velha senhora o tão almejado sanduíche de pernil. Abruptamente, ela o tomou de
minhas mãos. Abriu um sorriso sincero, deixando à mostra seus poucos e mal conservados
dentinhos.
Pensei em lhe chamar
para sentar-se comigo. Mas, antes de qualquer tentativa, a mulher deu-me às
costas. Procurei segui-la, percorrendo seus rastros. Ao dobrar uma esquina,
choquei-me com transeuntes apressados e amuados. Até que, do outro lado da rua,
eu a avistei. Lá estava ela, recostada num muro úmido, oferecendo seu sanduíche
de pernil para um cachorro abandonado. Durante certo período, fiquei observando,
sem pressa, aquelas duas criaturas que, embora solitárias e esquecidas pelo
mundo, se tornaram recíprocas (e únicas) para mim.
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