Por Denise Fernandes
Você me disse que eu estava com olhos tristes.
Perguntou o que era. Disse que não era nada, que não estava triste. Talvez meus
olhos estivessem irritados pela maquilagem. Você ficou bravo pensando que eu
estava mentindo. Disse que não estava mentindo, se eu tivesse triste, eu
falava. Geralmente, quando fico triste, eu falo, expliquei a você. Você fez uma
cara de quem não acredita muito. Ai, aí eu acho que também achei que não falo
sempre das minhas tristezas e pensei que não estava com vontade de falar delas
para você. Medo de que só de falar eu possa ficar mais triste do que estou.
Medo de chorar. Medo de te envolver na tristeza envolvida, essa compaixão
arrancada do outro, de você ou outra pessoa. Não quero esse sentimento
implorado. Deve ser orgulho ou bobagem da minha parte, mas quero alguém que
sinta compaixão sem lágrima alguma, sem chantagem. Sei que são sonhos. E não
tenho certeza se esses sonhos são causa desses olhos tristes, que também me
assustam.
Não consigo entender, mas meus olhos parecem mais
tristes do que a tristeza que estou sentindo agora. Será que carregam tristezas
de antes? E a tristeza dos meus olhos me deixa um pouco triste. Da onde saíram
esses olhos tristes me olhando? Acho que fico um pouco triste com a tristeza
dos outros. Pego emprestado e sofro com a tristeza dos outros; mas também pego
alegria. Esses olhos mais tristes que o normal foram de tristezas que não
lembro. Sentimentos de solidão que me fizeram bem sozinha mesmo. Como um
morador de rua que encontrei no caminho sem nenhum cobertor velho, nenhum
casaco velho, a camiseta curta, ele bem gelado. Via o gelado nos olhos dele,
deitadinho no chão, sem papelão. O morador ao lado com cobertor, papelão,
casacão. Sinto uma solidão danada olhando para os dois, assim desiguais, lado a
lado, unidos nem sei eu pelo quê. Tem horas que entendo todas as tristezas dos
meus olhos, mesmo essas que aparecem sem que eu perceba, e descubra dessa forma.
Você olhando e vendo o que eu nem mesma sabia.
A tristeza demorou para sair dos meus olhos. Mas não
precisei chorar. Nem falar. Acordei simplesmente diferente. Depois percebi que
era bom que você lesse meus olhos, que não fosse tudo indiferença, que houvesse
essa pergunta sobre o conteúdo dos olhos, que houvesse verdade. Mesmo assustada
pela descoberta de algo que eu não sabia que estava em mim, sinto que é luz
aparecendo para eu perceber que sou mesmo um pouco transparente. Transparência
que começa pelos olhos e continua; e quando você me vê, sabe como estou lá no
fundo, mesmo eu não gostando tanto de ser tão transparente assim.
E será que temos o tato triste, os ouvidos tristes, o
olfato triste, o paladar triste? A mão que tem saudades de carinhos, a pele
carregará a tristeza de tudo? Fecho os olhos e ainda te vejo. Meus olhos
fechados continuam tristes? A porta bate com força e eu me assusto como se eu
fosse um bebê. Meus cinco sentidos continuam sentindo o que eu nem sei que
sinto. Me avise quando meus olhos estiverem cheios de amor.
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