Por Amilcar
Neves*
Morar em casa térrea às vezes tem
disso: planta-se uma mudinha aqui, uma sementinha ali e, de repente, passam-se
anos e a promessa de vida vegetal se concretiza em árvore frondosa com história
e personalidade próprias.
Foi assim com um pinheiro europeu
que serviu como árvore de Natal numa festa de empresa realizada em um casarão
antigo, no centro de São José, com um terreno comprido que ia da avenida
Getúlio Vargas até um portão que dava para a areia e o mar da Baía Sul. A casa
continua de pé, com seu sótão (à época infestado de cupins) e seu porão em
arcos de tijolo, mas o mar foi retirado dali; em seu lugar, instalaram uma
avenida sobre vasto aterro que certamente custou uma grana legal. O pinheiro
perambulou de um lado para outro com seus 170 cm plantados num balde de tinta
de 18 litros até que, inviável num apartamento, passou uns tempos na casa de um
tio. Ambos hoje não existem mais, nem o tio nem a casa na avenida Mauro Ramos,
mas o pinheiro resistiu bravamente até mudar-se da lata de tinta para um canto
de terreno no Córrego Grande, onde manteve seu metro e setenta por dois anos e
então desabrochou. Hoje deve estar dez vezes mais alto.
Mas o pinheiro é história para
ser contada outro dia. Hoje é dia do coqueiro, uma planta de pouco mais de um
metro comprada de um caminhão na beira da estrada e dita, na época,
coqueiro-anão que logo daria frutos. Isto deve ter sido aí no primeiro verão do
milênio. O coqueiro era mesmo um anãozinho que, mais tarde, por recomendação do
Alceu, que tem planta semelhante em casa, passou a receber ocasionalmente, no
seu topo, um quilo de sal grosso. "É botar sal e o coco aparece", ele
prognosticou. De fato, apareceu logo depois o primeiro coco verde que foi
amplamente festejado e consumido. Hoje, os cocos já brotam acima da altura da
casa e a administração do sal foi suprimida faz tempo pela impossibilidade
prática de acesso ao topo de um coqueiro "anão" da estatura que este
espécime atingiu.
Agora, ele botou dois cachos,
naquela altura, prenhes de cocos grandes, bonitos e verdes. Colocou-se, então,
o problema: além de desconhecer o momento apropriado de colhê-los, como fazer
para extrair cada coco do seu pedúnculo?
Temo ser processado por
preconceito pelo que direi a seguir, mas penso muito, nestas horas, em Dorival
Caymmi: tenho certeza, hoje, de que esse é um coqueiro da Bahia, posto que
sequer é preciso subir na árvore, os cocos descem espontânea e alegremente. Na
noite de quinta-feira ouviu-se um barulho surdo, cavo, como o de alguém que
pulasse o muro sobre o gramado do quintal e se pusesse quieto, à espreita das
reações da casa. As reações da casa foram acenderem-se todas as luzes externas
disponíveis e sair-se à rua para ver o que acontecia. Antes disso, porém, outro
baque semelhante, abafado e único, foi ouvido com nitidez ainda maior: cocos no
chão. Dois. Ao final da manhã de sexta-feira, o coqueiro baiano havia desovado,
se assim se pode dizer de um vegetal, exatamente uma dúzia dos seus frutos. No
sábado, foram mais quatro cocos, e ainda restam cinco no cacho, enquanto a
outra penca mostra-se intacta, abarrotada deles ali no alto.
Com um abridor de cocos
presenteado no verão passado pela Lúcia Helena, ficou fácil furar os 16 cocos e
colher, juro por Deus, exatamente quatro litros e meio de água.
Ouvindo Caymmi, fico da rede de
olho no outro cacho, esperando que seus cocos comecem a pular pro chão feito
gente que salta do muro num gramado fofo.
* Crônica publicada no jornal
"Diário Catarinense" de 05.02.14
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