Por Mayanna Velame
Um conto para escrever.
Personagens a serem criados. Palavras para cativar. No entanto, minha mente
apenas flutua. Acendo um cigarro, inspiro um pouco de ar que ainda me resta. No
computador, a tela em branco. Passeio meus dedos entre as suas teclas, folheio dicionários,
afago os cabelos. Meu gato, sobre o peitoril da janela, esquadrinha-me. Tento
acariciá-lo e sua reciprocidade enobrece o meu coração. Diante de nós dois, a
cidade e suas luzes iluminam as ruas vazias. Vozes longínquas ecoam em meus
ouvidos. No céu, um avião se esconde entre as nuvens ruborizadas. Gostaria de
vê-lo novamente, mas é tarde, ele já foge para seu horizonte.
Uma lufada de vento aviva minha
alma. Sinto-me inquieto e meu gato eriça seus pelos. Estamos vivenciando a
solitude noturna. E, de certa forma, somos companheiros um do outro. Parece que
estamos conhecendo as angústias que nos redimem nesta noite. Estou cercado de
palavras, porém não me sinto disposto para convidá-las a ingressarem no meu
conto. Devo obrigá-las? Devo subjugá-las? Não sei...
Um conto para escrever. Agora, o
gato sentado no meu colo, acompanha os movimentos desenfreados dos meus dedos
sobre a tecla do computador. Seus olhos esbugalhados e as pupilas dilatadas me
deixam eufórico. Escrevo, penso, penso,
escrevo!
A noite se alonga, fantasmas me
abraçam. Sinto um calafrio. Escrevo, penso, penso, escrevo! Palavras tomam
posse do espaço em branco da folha. Escrevo, penso, penso, escrevo! Sinto-me
cansado, meus olhos ofuscados sentem um imensurável desejo em dizer adeus. Não,
ainda é cedo, preciso terminar este conto. Antes que as sílabas que formam as minhas
palavras morram e desapareçam junto com o meu coração...
O escritor desperta, os raios de sol que
penetram pelas venezianas iluminam sua cama como fogo. Contrito, ele se
levanta, segue em passos curtos, esfrega os olhos, boceja, tenta se dirigir ao
banheiro. Mas, de repente, algo inesperado lhe acontece. Seu gato debruçado
sobre o teclado do computador, digita sem parar as seguintes frases: escrevo,
penso, penso, escrevo!
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