terça-feira, 30 de julho de 2013

Black Bird

Por Denise Fernandes

 

         Na rádio da minha cabeça toca há dias "Black Bird". Cantarolo a música e faço um refrão com o mesmo inglês que tinha aos seis anos de idade. É difícil segurar o riso com a cena. O Lucas procura a música na internet e põe pra gente ouvir. Coloco o vinil do "Abbey Road" e ouvimos. Beatles forever. Eu também atravesso na faixa com os Beatles, estou quase na capa do disco.

         Mas mesmo com muita música, o Black Bird ficou insistindo, solitário, na minha memória. Talvez seja porque tenho uma asa quebrada. Da janela olho o mundo. Ele passa sem banda nenhuma e não sou Carolina. Sou tão parecida com esse black bird, que sinto que saí da boca dos Beatles, de suas mãos sábias, tenho vários lados meus que são canção, que escuto no silêncio da minha alma.

         Na feira livre que frequento, o pássaro preto empoleirado vigia e alegra a barraca dos temperos. Livre, solto, mas preso aos seus afetos, o casal que o alimenta, acaricia. Da casa para a feira, da feira para a casa. Enquanto sua dona muda seu cabelo de um tom alaranjado para um mais alaranjado ainda, o pássaro estável, tão frágil e tão profundo, o pássaro preto nos aguarda.

         Tive um vizinho que ouvia todo dia, num período de alguns meses, a música "Black Bird". Ele gostava de ouvir alto, ele no décimo andar, eu no nono, o quarto dele em cima do meu. Enquanto ele teve essa fase "Black Bird", eu também tive. Depois do primeiro mês, eu já esperava a música tocar. Fazia parte do dia. Como uma emoção. Um dia alguém me deu uma frase de um poeta chamado Tagore. A frase dizia que Deus gostava de mim quando eu rezava, mas gostava mais ainda de mim quando eu cantava.

         Acho que é porque uma parte da alma do homem tem tudo de pássaro e voa. Talvez alguns homens tenham alma de pássaro preto mesmo. Pode ser que haja também um coração de pássaro dentro do meu peito. E uns ovos para colocar. Pode ser que, nessa parte que ainda em mim sangra, haja muitos ovinhos capazes de gerar pequenas plumas cercadas de olhinhos. Enquanto eu penso estar na minha casa, estou num ninho. E é por isso que o pássaro preto ainda está aqui.
 

Nenhum comentário :

Postar um comentário