segunda-feira, 22 de outubro de 2012

O Café do Ponto

Por Rosimeire Soares

             

             Naquele dia, pude contemplar o nascer do Sol, a pastagem seca, a vegetação desprovida do direito cabal à fotossíntese. O calor, como eterno acompanhante daquela viagem, suscitava, além da sede latente, um gigantesco desejo de saborear o banquete que poderia me aguardar no lar progenitor.

             Inevitavelmente fui atraída por um cheiro de gordura. Cheiro de infância.

             Bolinhos fritos! Como poderia? Àquela hora, após o estabelecer da alvorada, o convite através do olfato tornou-se irrecusável.

             Pude então pegar o bolinho frito (daqueles de polvilho). A sensação prazerosa já estava próxima. Mordi a referência de meus 8 anos. Quantas recordações. Fome inocente, hoje transportada para a realidade que adverte o perigo do colesterol.

             Enquanto comia, devorava, degustava os bolinhos, meus olhos se hipnotizavam numa cena intrigante: o autor (pode-se assim dizer) do alimento que cerceava a minha fome iniciou um importante e solene gesto que, certamente, por também ter acontecido antes, culminou na minha quebra de jejum.

             Aquele homem, plenamente confiante em seus atos, apossou-se de alguns copos para lavá-los. Seriam higienizados, mas... onde?

             Um importante recipiente (balde) aguardava os copos.

             A submersão desses utensílios naquela água de cor amarelada me roubou o olhar e o paladar. O biscoito de polvilho fora abandonado na perspectiva de me saciar, pois agora meu desejo de conhecer o processo por que passam os copos na beira da estrada sobressaía e me desviava o pensamento.

             Os dedos furiosos continuavam agarrados à parte interna do vidro dos copos. Aquela aconchegante água turva abrigara muitos copos (do tipo americano) e de maneira capciosa ria dos meus lábios afoitos. Minha saliva se misturava a demais partículas microscópicas e uma importante reflexão eu fiz: quantas prostitutas eu beijei hoje?

             A vegetação seca que fielmente continuava a me acompanhar também acompanhava os caminhoneiros, promíscuos ou não, com quem pude dividir os mesmos copos, as mesmas bactérias, a mesma insensatez, o mesmo ponto e o mesmo café.
 

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