domingo, 14 de março de 2021

Olhares diurnos

Por Oswaldo Antônio Begiato




Há tanta veracidade em ver a cidade
sem muitas flores em seus concretos,
sem muitas almas em suas carnes e seus ossos
movendo-se como um turbilhão infindável.


Quando eu era menino
guardava sempre pétalas de flores
no meio de meus livros. Eu preferia os livros de poesia.


A flor da qual eu mais gostava
de guardar as pétalas era a rosa.


Um dia arrumei uma namorada que se chamava Rosa.
Contei isso pra ela e ela nem ligou.
Então eu desisti dela e fui namorar uma brinco-de-princesa:
- Hoje somos unha e carne.


Ela me ensinou a questionar a quem pertence a alma:


Ao osso,
ao sangue
à carne?


A alma pertence à unha, dizia ela
com sua sabedoria de flor.


Dizia mais:


- Há em cada porto uma porta aberta.
Há em cada linho uma linha reta.
(Sempre é possível começar uma vida nova
com uma roupa limpa.)


Planejei mil folhas de alecrim
sem pauta e sem nervuras,
todas brancas como almas de criança,
a fim de escrever um lindo verso de amor.


Mas aí aconteceu essa brinco-de-princesa
fazendo-me poeta e urubu rei, dono de todas as alturas,
e meu verso ficou tão bonito que passaram a me chamar de o poeta das nuvens.


Sei que isso é exagero, mas gosto porque me deixa mais apaixonado ainda
pela flor que se instalou na orelha da princesa.
Azar o meu que fui brincar com o amor. Ou será sorte?

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