terça-feira, 16 de março de 2021

Descaminhos na pandemia

Por Denise Fernandes




Não diria que estou em "lockdown". Estou arriada. E agora descobri que há o descaminho. Como uma mandala de areia que se desfaz. Como as sombras do Nepal, caminhando até aqui por causa do covid.

Adoro usar meias. E nesse momento, isso parece ótimo, porque há o prazer da suavidade - do mágico momento em que meu pé encontra a meia. Nunca gostei de usar sapatos; embora tenha minhas galochas, tênis para caminhadas, e o ar para respirar.

Sem vontade de pegar covid. Tá tão bom aqui no meu cafofo. Conheço a sujeira acumulada embaixo do sofá. Economizo perguntas. Desentendo-me.

Chuva na feira. Colírio para cachorro. Jogo os papéis todos dentro da gaveta. Pirâmide saqueada. Desejo de placebo. Não que eu goste de ser enganada, mas estou confusa no meio de tantos nomes e estatísticas. Engordativa. Sim, descobrindo receitas novas para sonhos antigos. Sem me preocupar com meu próprio cheiro. Inspirando a vida. Soltando o ar com a vertigem da lucidez. Presa em minha casa cheia de cantos, recantos, roupa suja, pelos de cachorro.

Quando a dor vier, vai me encontrar ocupada: fazendo bolo de mandioca, arrumando presente pro aniversário da afilhada, estendendo a roupa no varal.

Peras macias. Enquanto termina o verão, as águas de março vão chegando caudalosas, enigmáticas, abençoadas. O luto vai diluindo-se na xícara de chá. De erva-cidreira.

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