terça-feira, 23 de março de 2021

Balanços da pandemia

Por Denise Fernandes




Sim, muitos que se salvaram. A porta entreaberta permitiu a cura. Não a da medicina, mas uma outra cura: a da alma. Pássaro fotografado. Amores perdidos, amores amados, amores incertos. Só de pensar no amor, já é amor. Com a pandemia, perdi meu piloto automático.

Piloto automático que me levava ao mercado, à farmácia, à loja de um real - onde quase nada custa um real. Agora penso. Logo, existo. Penso para qualquer gesto inocente, penso como se pensar resolvesse. Correr menos riscos. Corri tantos riscos sem sentido em minha vida. E foi esse pequeno vírus que revelou minha loucura, meu desatino em não dar valor a cada movimento. Esse vento leve que vem junto com o fim do verão.

Fazemos um balanço. Minha tia diz que nunca leu tanto na vida como agora, na pandemia. Minha mãe faz tricô incessantemente; como se a semente do ponto fosse um pouco de remédio para o caos. Minha filha trabalha com educação, e trabalha mais na pandemia; como se da educação dependesse o próprio vento, sim, esse que faz a chuva caminhar.

Estou com vontade de voltar a ser tímida. Assim fica mais fácil o isolamento social, e a própria vida. Tartaruga dentro do casco. Lentidão que é perseverança. Esmeralda bruta. Sol desenhando um espelho na parede. Saudades de tudo que foi bom. Saudade do leite dentro do meu peito. O que a pandemia desvelou estava aqui, bem guardado. Não sei morrer. Só sei nascer para um novo dia, onde uma xícara de café quente me espera.

Nenhum comentário :

Postar um comentário