terça-feira, 10 de julho de 2018

Não é chique falar de Jesus Cristo

Por Maurício Perez




No jantar, percebi que todos tinham nível superior completo. Não demorou até alguém comentar que estava fazendo uma pós graduação sobre Deleuze. Um pouco depois a conversa enveredou para Heidegger e terminou com a trilogia de Nova Iorque de Paul Auster.


Fiquei pensando o que aconteceria se alguém falasse de Jesus Cristo... Claro, poderia abordar em uma perspectiva da sociologia das religiões. Algo como "O mito histórico de Jesus Cristo na perspectiva bultmaniana". Nesse caso não teria problema e ficaria até elegante. Também poderia ser citado a partir de alguma adaptação moderna e transgressora do evangelho, na linha do evangelho segundo Gore Vidal.


Mas falar do Jesus de Nazaré, em uma leitura simples do evangelho segundo São Mateus seria uma cafonice sem tamanho. Imperdoável. Não fica bem entre pessoas instruídas. Constrangedor.


E fiquei um bom tempo pensando nisso. Por que não é chique falar de Jesus Cristo?


Primeiramente, porque há muita frivolidade intelectual por aí. Especialmente em jantares e vernissages. Dizer nomes de pensadores em alemão é chique. Schopenhauer soa melhor que Barnabé, por exemplo. Falar complicado parece sinal de inteligência, saber e conhecimento, porém não passa de cortina de fumaça ou incapacidade de escrever em bom português. Outro exemplo dessa frivolidade é citar frases de pensadores sem nunca ter lido um livro completo deles e sem possuir um saber estruturado. Mas o melhor  ou o pior  da frivolidade é criar modas intelectuais. Nos anos 40 Sartre era vanguarda; nos anos 60 Marcuse era um must; já Heidegger e Nietzsche são como um vestido preto, um clássico para quem não quer errar. Moda para buscar a verdade? Aonde chegamos.


Jesus Cristo está ligado à religião. Ora, enquanto tendemos a pensar que tudo que alguém diz em nome da ciência é verdade comprovada, tendemos a pensar que quase tudo que se diz em nome da religião é falso, duvidoso ou subjetivo. Acolher a ciência faz parte da construção da imagem de uma pessoa adulta, independente e esclarecida. Em contrapartida, a religião está ligada à imagem de uma pessoa que não se libertou de uma infância crédula, de alguém que ainda está no passado das superstições.


Esse estereótipo continua forte em colégios e universidades onde habitam professores que parecem ter por missão pessoal criticar as religiões. Isso para não falar das revistas. Uma rápida pesquisa na cultuada e querida revista Superinteressante e constato que o cristianismo (desse tal Jesus Cristo) sempre sai muito mal nas reportagens. Os pobres estudantes ficam como bebês indefesos. Sem conhecimento sério sobre as religiões pensam que as epístolas são as irmãs dos apóstolos  não são páreos para uma crítica tão feroz vindo de quem tem autoridade. São presas fáceis. Por isso é notícia, isto é, causa espanto, que alguém como Francis Collins, diretor do Projeto Genoma Humano, acredite que Jesus Cristo ressuscitou ao terceiro dia.


É engraçado constatar como mesmo na física há tanta charlatanice e teorias tratadas como certezas. Afinal, por trás da física, há físicos, ou seja, seres humanos e suas vaidades. O que não falar das ciências sociais que publicam artigos vagabundos com ideologias mais falsas que uma nota de três dólares acolhidas pela imprensa e pelo grande público como conquistas da humanidade. Pior: são transformadas em políticas públicas.


Como a religião não tem boa reputação entre intelectuais, sobra separar Jesus Cristo da religião. A história que se conta é que as religiões adulteraram e mudaram o Jesus histórico. Apesar de ser uma tese que não se sustenta historicamente, ela é bem elegante e continua colando bem por aí.


Aparece então o líder revolucionário (esse é para os marxistas, mas está meio démodé); o homem especial, bom "pra caramba", muito "irado" (para os rapazes e meninas "do bem"); o sujeito do "amai-vos uns aos outros" (qualquer sentimental adora isso); o mestre da humanidade (para o pessoal das ongs). Claro que nenhum deles leu a sério os evangelhos, nem os estudou. Já ouvi um sujeito dizer: "Como disse Jesus: Fazei, mas arcai com as consequências" (deve ser uma passagem do evangelho segundo Tim Maia de Porre). Desculpe o sarcasmo, mas não é possível desenvolver nada sem um estudo sério. Estamos cheios de opiniões baseadas em duas ou três ideias que repetem por aí.


Finalmente, como diz o ditado, a grama do vizinho é mais verde. Pensando que conhece o cristianismo e que este não tem nada a dizer ao homem moderno, o ocidental foi buscar no oriente inspiração para viver. Pega bem falar de Buda ou Confúcio, fazer meditação transcendental, passar uma temporada com monges budistas ou acender um incenso. Mas seria imperdoável e cafona, rezar, ir a um culto cristão ou acender uma vela.


A minha tese é que Jesus Cristo pode ser citado em um jantar com pessoas instruídas porque tem mais conteúdo do que Deleuze, Saramago ou Hegel. Precisamos tirar a casquinha da grife de intelectual e assumir uma conversa em bases sólidas sobre temas que dizem respeito a nossa vida, a nossa morte e a nossa sede de plenitude.

É autor do blog Correio Chegou.

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