terça-feira, 17 de julho de 2018

Crônica da cidade

Por Denise Fernandes




Na cidade poluída, respiro as pessoas. Finalmente, o tempo que eu pensava possuir se rebelou em cavalgada. O que tenho são objetos com histórias, memórias com sentimentos, sonhos feitos de aço.

Só agora que envelheci, o sexo é harmonia, lua nova no céu. Antes foi desejo, tensão, procura, encontro.

A metamorfose que me fascinava na infância agora me faz casulo, sorriso e abraço. Sem pressa. O destino é como essa mesa de madeira bem sólida, e as sombras que o sol desenha na parede.

Queria ser forte, mas sou intenção e vertigem, alucinação e corpo pulsante. Sou espera. Navego num mar de dúvidas, onde não há tubarões, só uma baleia com sua família.

No teu pensamento, travo uma batalha infinita onde, me lendo, você me tece. Tem um anjo novo morando ao meu lado, e um pernilongo antigo que gosta do meu quarto. A cidade cresce como pensamento, seus rios contidos choram enquanto a noite cai.

Os técnicos em saúde me dizem que uma mulher morreu de raiva aqui perto. Não foi de ódio. Foi a doença raiva, que invadiu seu ser. O ódio, que não mata, envenena a cidade de saudades.

Tenho vontade de fazer uma fogueira. Dizem que é proibido, mas o que se pode fazer com as vontades, essas bactérias inocentes do poder?

A cidade só tem beleza nos detalhes. No seu todo, é inerte, fim de toda procura, espaço mudo. Você procura um espelho? Fuja da cidade.

A cidade quer abraçar o mundo. Mas o mundo é muito longe. A alvenaria da cidade só invade a terra, essa mãe seca e generosa. E a terra abraça a cidade, humilde projeto na manhã fria.

Nenhum comentário :

Postar um comentário