terça-feira, 2 de agosto de 2016

Sorria

Por Denise Fernandes




"Sorria, você está sendo filmado". A frase, lida, faz pouco sentido pra mim. Estar sendo filmada não me dá vontade de sorrir, e ainda tem o tom imperativo para o sorriso. Justo sorrir, que a graça maior é ser espontâneo. No momento atual, me dá mais vontade de sorrir do que de ser filmada. O que fazem com todos esses filmes? Muitas mentes já devem funcionar como câmeras.

Ponho a mão no pinto do meu namorado, e ele faz uma cara estranha. Que foi, não está gostando?, pergunto no elevador. Ele diz: tem câmera nova. Ai não, que chato. Pode até ter uma família inteira na entrada do prédio vendo a cena de vários ângulos. Acabou-se, namoro rápido no elevador, privacidade como direito absoluto. Em todo lugar, somos observados, rastreados. A chance de você ser abduzido – sem que alguma câmera veja – é muito pequena. Estamos cada dia mais presos à realidade, de uma forma tão densa que os alienígenas ficam com medo. Medo das câmeras.

Uma discussão sobre a questão social da loucura. Nos delírios paranoicos atuais, é comum as pessoas se imaginarem filmadas por câmeras. Olho estranho, olho acusador, olho sem olhar, olho devorador, olho que não se vê.

Peço ao segurança: por favor, esqueci meu crachá, deixa eu passar, moço? Senhora, não posso, porque tem câmera. Tem câmera, não posso, não tem jeito. A câmera é maior que a regra, o dever. O imperativo. Acho que não quero sorrir assim.

A câmera garante, me explica a mulher, e ela começa a me parecer de plástico. Penso bem forte, ela também sofre. Mas algo me impede de acreditar. Estou criando uma couraça invisível para me proteger de ter minha alma filmada. Em busca de uma muralha energética. Algo que me alegre, que me faça sorrir de verdade.

É meio triste, pense bem, todas essas câmeras servindo para a tal da segurança. Todas essas imagens de vidas tão preciosas e profundas dispersadas na banalidade das estatísticas do crime, do entender o ocorrido, da busca da segurança e do controle. Com a calma das marés, das praias vazias, as câmeras esperam os cineastas que as libertem da miséria do medo de quase tudo. Servindo para os homens em sua totalidade, as câmeras serviriam para quase tudo: memória, síntese, ciência, arte, diversão, comunicação, educação, comércio. Assim como está, as câmeras são polícias. Nosso estado é de sítio. Dilacerados pela violência. Penso em sorrisos que podem ser filmados. Câmeras porque existem sorrisos, e não sorrisos porque existem câmeras.

Desejando uma terça-feira mais doce...

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