Por Denise
Fernandes
"Sorria,
você está sendo filmado". A frase, lida, faz pouco sentido pra mim. Estar
sendo filmada não me dá vontade de sorrir, e ainda tem o tom imperativo para o
sorriso. Justo sorrir, que a graça maior é ser espontâneo. No momento atual, me
dá mais vontade de sorrir do que de ser filmada. O que fazem com todos esses
filmes? Muitas mentes já devem funcionar como câmeras.
Ponho a mão
no pinto do meu namorado, e ele faz uma cara estranha. Que foi, não está
gostando?, pergunto no elevador. Ele diz: tem câmera nova. Ai não, que chato.
Pode até ter uma família inteira na entrada do prédio vendo a cena de vários
ângulos. Acabou-se, namoro rápido no elevador, privacidade como direito
absoluto. Em todo lugar, somos observados, rastreados. A chance de você ser
abduzido – sem que alguma câmera veja – é muito pequena. Estamos cada dia mais
presos à realidade, de uma forma tão densa que os alienígenas ficam com medo.
Medo das câmeras.
Uma
discussão sobre a questão social da loucura. Nos delírios paranoicos atuais, é
comum as pessoas se imaginarem filmadas por câmeras. Olho estranho, olho
acusador, olho sem olhar, olho devorador, olho que não se vê.
Peço ao
segurança: por favor, esqueci meu crachá, deixa eu passar, moço? Senhora, não
posso, porque tem câmera. Tem câmera, não posso, não tem jeito. A câmera é maior
que a regra, o dever. O imperativo. Acho que não quero sorrir assim.
A câmera
garante, me explica a mulher, e ela começa a me parecer de plástico. Penso bem
forte, ela também sofre. Mas algo me impede de acreditar. Estou criando uma
couraça invisível para me proteger de ter minha alma filmada. Em busca de uma
muralha energética. Algo que me alegre, que me faça sorrir de verdade.
É meio
triste, pense bem, todas essas câmeras servindo para a tal da segurança. Todas
essas imagens de vidas tão preciosas e profundas dispersadas na banalidade das
estatísticas do crime, do entender o ocorrido, da busca da segurança e do
controle. Com a calma das marés, das praias vazias, as câmeras esperam os
cineastas que as libertem da miséria do medo de quase tudo. Servindo para os
homens em sua totalidade, as câmeras serviriam para quase tudo: memória,
síntese, ciência, arte, diversão, comunicação, educação, comércio. Assim como
está, as câmeras são polícias. Nosso estado é de sítio. Dilacerados pela
violência. Penso em sorrisos que podem ser filmados. Câmeras porque existem
sorrisos, e não sorrisos porque existem câmeras.
Desejando
uma terça-feira mais doce...
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