terça-feira, 23 de agosto de 2016

Árvores nas sombras da política

Por Francisco Coluço


A Maria Antônia, em Vila Buarque, é uma rua arborizada. Em seus 860 metros de calçadas, considerando os dois lados, vivem 43 árvores; sendo 17 no lado ímpar e 26 no lado par. Isto oferece uma razão de uma árvore para cada vinte metros de calçada. É uma boa medida em arborização, mesmo se considerarmos que 14 delas são jovens, mudas recém-plantadas pela prefeitura da cidade de São Paulo.

Numa rua com tanto comércio, escolas e cada vez mais prédios, não deixa de ser interessante e notável a existência dessa manifestação natural do verde. Mas observamos de fato? Sentimo-nos cúmplices com o bem estar dessa bela proposição vegetal? Pena que não...

Senão, vejamos: o que nos conta Guy Debord em seu texto "A Sociedade do Espetáculo", de 1967?

"Em sociedades onde predominam as modernas condições de produção, toda a vida se apresenta como uma imensa acumulação de espetáculos. Tudo o que era diretamente vivido se transformou numa representação".

Se for assim mesmo (como este autor nos informa), o que fazer?

Simples: basta lembrarmo-nos, agora, do diálogo do artista Morandi – em seu ateliê na Itália – sendo visitado pelo artista brasileiro Darel, em agosto de 1968. Darel pergunta-lhe o que achava da arte atual. Morandi responde: "É preciso reencontrar a confiança perdida na natureza". Nesta altura, estavam os dois diante de uma janela. Darel se volta para olhar a paisagem, lá fora.

Morandi, então, complementa tudo: "Não nesta que vemos, mas naquela em que cremos". Você, amigo leitor, está agora disposto a decifrar essa charada?

De minha parte, posso avisar que isto dá o que pensar. Inclusive pensar na política que "rolou" muito em épocas anteriores, na mesma Rua Maria Antônia. Lembra-se ou sabe por ouvir dizer? Leu a respeito?

Pois bem, foi o velho e saudoso político Tancredo Neves que criou uma frase para passar como sendo a verdadeira "natureza" da política. Disse ele: "A política é como as nuvens... Cada vez que você olha, está de um jeito".

Ainda de minha parte, prefiro voltar à Maria Antônia e tomar um chopinho para filosofar. Já que é tudo assim mesmo, que tal parodiar Morandi? Sentar-me à sombra da árvore em frente ao Bar do Fernando e imaginar, cauteloso: "Preciso reencontrar a confiança perdida na política ou, melhor ainda, não nesta que vejo, mas naquela que creio".

Até a próxima sombra!

Engenheiro agrônomo formado pela USP – ESALQ (Piracicaba, 1969) e pós-graduado em Administração de Empresas pela FGV. Funcionário público aposentado.

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