domingo, 2 de outubro de 2011

UM (breve conto)

Por Camila Santana Romeu

06:00 da manhã.
O despertador anunciava que mais um dia havia raiado lá fora, mas o sono queria impedi-lo de levantar-se. Era comum aquela cena, e não era preocupante, porque o fim era sempre o mesmo: ele esperaria mais alguns minutos até que estivesse suficientemente atrasado para levantar apressado, tomar um banho de qualquer jeito, sair calçando os sapatos, e só quando chegasse ao trabalho perceber que havia esquecido algo importante, que era imprescindível e que deveria estar na mesa do chefe naquele dia... no primeiro horário.
Mas neste dia, ele não demorara muito para levantar-se, parece que sentia já estar atrasado para alguma coisa, mesmo dentro do horário...
Tomou seu banho e de tanto que demorou, precisou sair às pressas de casa. Tudo voltou ao normal! Como de costume esquecera o relatório de vendas que seu chefe havia pedido há aproximadamente um mês.
                Não tinha carro, nem bens materiais que lhe amparariam se continuasse a desafiar a paciência de seu chefe. Morava mal: apartamento pequeno, sujo, desorganizado. Cheirava a nada e ao mesmo tempo a tudo, mas não tinha cheiro ruim, tinha cheiro de gente.
                O salário que recebia era tão vergonhoso que mal conseguia pagar suas contas, comprar itens de necessidade crítica e ainda passear com a namorada nos finais de semana. Muitos se perguntavam como aquele moço raquítico, de cabelos ralos, olhos e pele de cores tão comuns, que ninguém notava, como aquele rapaz poderia ter uma namorada tão bela como era aquela moça?...
                Ele pouco conversava com os vizinhos, porque eram todos mexeriqueiros e viviam da desgraça alheia. Como isso nunca o agradara, preferia viver fechado em sua casa, e partilhar a vida apenas com os amigos mais próximos, e a belíssima namorada, que ninguém entendia por que raios era namorada dele!   
                A caminho do ponto de ônibus, o rapaz  relembrava como se conheceram. Era uma noite um tanto sombria, porque chovia muito e o céu estava completamente escuro (alguns dizem que talvez por não ter visto bem seu rosto, ela tenha se apaixonado depressa por ele, e quando o pôde ver na claridade do dia, já era tarde: estava louca de amor pelo pobre coitado!!). A jovem dirigia seu carro quando a chuva jogou para o meio da avenida um ser desorientado, todo molhado e com frio. Ela parou rapidamente, antes que o atropelasse e foi ao encontro dele. O primeiro olhar foi suficiente para que eles entendessem que deveriam ficar juntos, que a vida, a natureza, Deus, tudo e qualquer coisa os havia colocado ali, naquele momento, para descobrirem o amor. Depois deste olhar, nunca mais se largaram um dia que fosse. Já estavam juntos há dois anos, e tinham planos de casar.
                 Ela com 23 anos, ele com 24. Ambos gostavam de ler a poesia de Dos Anjos, os contos do Rubião, as músicas góticas e os filmes de drama, terror e suspense. Era curioso porque eram alegres e gostavam de contar piadas. Eram inteligentes, mas assistiam à novela da Rede Globo religiosamente todos os dias. Liam jornais juntos, mas também as revistas de fofoca, horóscopo e o resumo da semana da novela das 8. Conversavam sobre política, astrologia, gastronomia, física, química, mas é claro, sobre a bendita novela das 8... Maldito ritual que consome, aprisiona e condiciona os seres humanos!
                 Pois bem, ele continuava a caminhar até o ponto de ônibus. Lembrar da namorada fazia-o sentir-se bem. A última vez que a vira foi no fim de semana, já era quarta-feira. Ele estava com saudades dela. Naquele fim de semana passaram horas e horas, trancados no quarto, mas ele precisava de novas lembranças, porque o stress da semana já o havia corrompido.

                  Continua no próximo domingo...

Um comentário :

  1. "Eram inteligentes, mas assistiam à novela da Rede Globo religiosamente todos os dias." perfect Cá ;D

    Adorei sua forma de escrever amiga e quero ver a continuação!

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