Por Denise Fernandes
E acordei com a sensação que havia perdido a virgindade. Como a virgindade? Qual virgindade que não havia? Mas tinha a sensação. De faltar como se fosse uma membrana vaginal invisível, algo tão tênue que eu nem havia sabido que existia, mas fundamentalmente algo azul, começando e se rompendo, invadindo como um mar de champanhe e chá de erva-cidreira. Você tem toda a corrupção mesmo de um vinho francês. Hoje na tarde azul procurei seu presente. Um cara me paquerou, mas só porque comi um bolo de chocolate com muita vontade. E nem achei seu presente. No ônibus, um poeta repentista de 84 anos recitou: “Rosa, cravo, flor de laranjeira...” E eu não lembro o resto porque claro que pensei em transar de novo com você, ali no ônibus com perfume de flor de laranjeira. Eu molhada pensando estranha: é feriado ou é dia de semana? E lembrei logo: ah, é dia de semana. E soube logo: estou estranha, não sei que dia é. Às tantas da manhã, chorei. Chorei porque senti que tinha perdido minha virgindade de novo com você e isso era incompreensível. E chorei porque tive vontade e estava numa hora ótima para chorar. E vomitei verde não sei porquê. E ainda tive a sensação que seu instrumento talvez fosse o violoncelo. Num sei se imaginei ou sonhei acordada mesmo a gente transando de novo. Será que isso é “fazer amor por telepatia”, como diz a Rita Lee? Sei lá...
Só sei que tô de saco cheio.
No meu tempo, saco cheio era palavrão e eu tinha que sair da mesa toda vez que falava saco cheio na mesa. Eu explicava para minha mãe chorando que sair da mesa porque eu estava desagradando tudo bem, mas sem entender...
Porque saco cheio é palavrão?
É porque eu não tenho saco?
Minha mãe ria. Ela falava: depois eu te explico, não é assim a vida, Denise, depois eu te explico. Essa coisa de boas maneiras, seu pai não é assim, ele acredita e não acredita, mas ele acha que um dia cê pode precisar, porque todo ano entra governo e sai governo... A gente nunca sabe, veja só a Segunda Guerra Mundial.
Talvez seja por isso que simplesmente aluguei dançando na chuva. E desisti de você. Tô sem grana, mas pode ficar até com o livro do Neruda que você me tomou e ficou de me devolver porque sei que você leu pelo menos duas vezes na minha frente o poema Orégano (do Neruda, é claro). Esqueci um colar. Talvez seja a mandala da saúde de prata que a Cleide me deu no meu aniversário de 40 anos. Porque não sei onde tá. Mas eu tô aqui. A Cleide deve de tá nalgum lugar e ocê deve di tá bem, porque notícia ruim chega depressa. Eu tô só um pouquinho com a minha cabeça no meu netinho que não tá muito bem de saúde e também tô um pouco preocupada com a saúde do filho de uma moça lá de Piracicaba que também já passou dos 40 e vive apaixonada.
Num pense que tô triste porque já fiz amizade nova. Abri uma conta no Ronaldo e como ia desmaiar ele me vendeu um côco fiado por 3 e cinquenta. Não me diga que o coco perdeu o chapeuzinho circunflexo porque eu já tô naqueles dias de carregar o livro do Wesley Duke Lee de cima prá baixo só porque ele morreu antes que eu escrevesse minha cartinha de fã. Se eu soubesse que virgindade fictícia era tão importante não tinha perdido.
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