domingo, 9 de outubro de 2011

UM (breve conto) - 2ª Parte


Por Camila Santana Romeu
 
O ônibus estava atrasado, porque chovera muito à noite, e algumas ruas estavam alagadas. Os faróis quebrados piscavam ininterruptamente a luz vermelha. Parecia natal, mas ainda era Setembro... E toda aquela agitação parecia não incomodar o pequeno rapaz de olhos semicerrados.

Finalmente apareceu algum ônibus. Entrou, sentou e observou a pessoa ao lado com um celular conectado à Globo. No jornal matinal anunciavam alguns acidentes de carros, assaltos, alagamentos e tiroteios. Nada que o surpreendesse muito. Sentiu vontade de falar com namorada. Ligou para ela. Do outro lado da linha:
- Oi amor!
- Bom dia amor!
- Onde você está? – perguntou a moça.
- Perto da tua casa. Você demora a sair?
                - Não saio já. Quer me esperar no ponto?
Ele demorou uns 10 segundos para responder àquela pergunta, pensando no tempo que ainda teria que ficar esperando por um outro ônibus. Mas já estava atrasado, que diferença faria? E queria tanto ver aquela formosura de mulher.
- Claro! Estou te esperando.
Desceu do ônibus e esperou por ela mais uns 15 minutos: mulheres muito bonitas não precisam mais do que 15 minutos para ficarem lindas! As feias é que gastam uma eternidade tentando esconder as tantas imperfeições...
Pegaram um novo ônibus.
A chuva tinha cessado e um sol tímido brilhava, escondido por algumas nuvens espalhadas pelo céu. Era só mais uma das chuvas de primavera, que caem para mostrar sua graça, mas logo dão espaço novamente ao padrinho do dia.
Sentados, comentavam como estavam com saudade um do outro, como se amavam e todas aquelas juras eternas que namorados fazem, e que tanto machucam quando um sonho acaba, e percebe-se que nada que se dizia eterno, de fato, dura para sempre. Porque nada dura para sempre.
Mas eles se amavam naquele momento, com os olhares fixos um no outro,  como se fosse o primeiro e o último olhar. Falavam dos dias que passaram entre domingo e aquela manhã de quarta-feira, contavam novidades, alegrias e frustrações.
O trânsito ainda estava parado. Já era quase 9 horas! Ele chegaria atrasado mais uma vez. O que importa?
Uma mulher grávida entrou no ônibus, e este fato, fez com que se iniciasse um diálogo sobre o casamento.
Planejavam se casar no próximo ano, e no outro ter o primeiro filho. Gostariam de uma festa grande para todos os amigos. Mas só os amigos, nada de vizinhos mexeriqueiros! O vestido seria desenhado pela mãe da moça, e o terno alugado numa dessas lojas de Trajes à Rigor. A cerimônia seria celebrada por um padre que fizera a 1º Eucaristia da moça, já que ele não tinha lá uma religião a qual seguisse à risca. Nem ela seguia nada à risca! Mas era tão lindo casar na igreja! Nas novelas, as mocinhas sempre se casam com os mocinhos em uma linda cerimônia religiosa e uma grande festa luxuosa...
Ambos ganhavam pouco, mas estavam dispostos a assumir a dívida para, em troca, realizarem o sonho da “Novela das 8”.
- Onde vai ser a festa? – perguntou, entusiasmada.
- Pode ser naquele salão de esquina com a Igreja, o que você acha?
- Muito pequeno. Pode ser naquele na Av. Principal.
- Por mim, tudo bem.

Escutaram um barulho. Um assalto no banco do outro lado da rua.
Foi o último barulho que ele escutara.
...Sonhos destruídos, vida interrompida.

Não chegaria atrasado ao trabalho, nem teria medo de ser demitido.
            Também não haveria mais casamento, nem fins de semana trancafiado no quarto com a namorada linda que tanto amava.

Nunca mais beleza, nunca mais amor...


No dia seguinte, o jornal da Rede Globo anunciava pela manhã:
- Assalto a banco, na manhã anterior, gera tiroteio entre assaltantes e policiais. Quatro pessoas ficaram feridas. Três estão em estado de emergência, e um não resistiu aos ferimentos.


Um... ELE virou UM. Mais um no noticiário, que amanhã será esquecido.
Talvez Rubem Fonseca escrevesse algo sobre ele, mas o rapaz não lia os contos do Fonseca.

                Fiquei sensibilizada...


Para maiores informações sobre Camila Santana Romeu,
acesse o blog pessoal da autora.

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