Por Fabio Ramos
Na continuação da entrevista exclusiva concedida por Lourenço Mutarelli ao Texto de Garagem (a primeira parte pode ser conferida aqui), o autor nos conta sobre a viagem para Nova York, o retorno aos quadrinhos e ainda rememora o início de carreira. Confira o bate-papo a seguir.
Texto de Garagem - Você também contracenou na peça Música para Ninar Dinossauro, do Mário Bortolotto. Como foi a experiência?
Lourenço Mutarelli - Puxa, isso foi muito difícil... Atuar, né? Porque no cinema, por mais que digam que você se expõe, na verdade, você não se expõe. Você trabalha com uma equipe que é relativamente pequena e todo mundo está ali trabalhando com você e, muitas vezes, por você. Pelo ator. Então você fica muito protegido. Você tem uma exposição quando o filme é lançado. Mas, durante o processo, você está muito mais protegido do que no teatro. Eu tenho problema de memória e aí era muito tenso, muito medo de esquecer o texto. Entrar ao vivo numa plateia, cada dia diferente, foi tenso. Era uma tensão que, pra mim, não era boa e que eu não vivo em nenhum dos meus outros trabalhos... Eu não vivia essa tensão nem atuando no cinema. Isso era difícil. A sorte é que o Bortolotto pediu que a gente ficasse à vontade, se divertisse lá e aí eu tentava isso. Mas não era nada fácil. É bem puxado.
TG - Exercitando seu lado dramaturgo, você participou do projeto Teatro para Alguém na internet. Como foi, além de escrever, contracenar com José Mojica Marins durante as filmagens?
LM - Foi demais. A ideia era uma brincadeira em cima de séries e novelas. Eram episódios bem curtos e eu tinha toda a liberdade para bolar a série. É ótimo trabalhar com a Renata Jesion. Ela e o (Nelson) Kao são os donos da casa que é o Teatro para Alguém. É muito bom trabalhar com eles. A Renata escolheu o elenco e me convidou para fazer uma participação. Quando disse que faria, aí vi que (o elenco) era o Mojica, o Peréio, o próprio Bortolotto... Tem uns atores ali que eu adoro: o Zemanuel Piñero, a Gilda (Nomacce), o Niltinho (Bicudo). Muita gente boa. Então era ótimo, era bem divertido.
TG - Você escreveu certa vez que mora em São Paulo, mas vive em sua casa. Para alguém que parece avesso às grandes cidades, como foi passar um tempo em Nova York?
LM - Eu ainda não digeri o que foi essa experiência. Tenho um livro na cabeça que não tem nada a ver com o do (projeto) Amores Expressos. É sobre um assunto que explorei bastante no blog. Nunca tinha tido um blog e, no fim, aquele espaço foi muito bom para minha sobrevivência ali. Mas Nova York não é diferente de São Paulo. Achei mais seguro do que aqui, apesar de ter ficado num bairro bem barra pesada. Os taxistas não me levavam até minha casa. Eles paravam antes e falavam: “Eu vou até aqui”. Mas não tive nenhum problema por lá.
É uma cidade muito mais organizada, mesmo na geografia dela... Você anda a pé e é difícil se perder. Um homem das ruas já é um mapa. Você sempre sabe onde está. Então, nesse ponto, foi tranquilo. São Paulo é mais caótico. O metrô, por exemplo, não tinha um décimo da quantidade de pessoas que a gente pega no metrô daqui. Eu uso muito o metrô aqui também. Mas foi uma experiência que ainda estou tentando entender. Voltei pra lá um ano depois e passei mais uns 10 dias. (Dessa vez) fiquei em Manhattan e foi um pouco melhor. Mas não sei... Também não é uma cidade que me agrade. Nunca quis ir pra lá. Queria ter ido para uma cidade no Alentejo, só que não era a gente que escolhia. Acho que eu era o único que não conhecia Nova York e eles queriam que tivesse esse olhar estrangeiro. Então, foi a cidade que escolheram para mim. Nesse ponto de cidade grande, é muito tranquilo, prático, fácil se locomover. Eu fazia muita coisa a pé. São Paulo é maior, mais caótico.
TG - Foi noticiado que o livro (do projeto Amores Expressos) sairia ainda esse ano...
LM - Ele está previsto para o ano que vem. Era pra (sair) esse ano. Mas como estou lançando um novo no próximo mês, eles acharam melhor deixar para o ano que vem. Eu tinha terminado ele, que foi pra lá (Companhia) e teve uma série de críticas. Eu mexi no trabalho e aí ficou mais ou menos tudo bem. Mas, como a gente tinha tempo, senti que eles ainda iam mexer nisso. Quando voltei a ler o segundo tratamento, eu não gostei. Então, estou pensando em começar do zero e reescrever o livro. (Com) uma outra história, inclusive... Mudar tudo mesmo.
TG - Depois de cinco anos, você retorna às histórias em quadrinhos com Quando meu pai se encontrou com o ET, fazia um dia quente e uma compilação das aventuras do detetive Diomedes. É uma retomada temporária aos quadrinhos?
LM - É uma retomada que não é por minha conta. Foi uma proposta muito boa que fizeram. Só que, ao invés de quadrinhos, eu negociei para que fosse uma história ilustrada. Então é só um desenho por página. Quero fazer quadrinhos, mas uma coisa mais experimental do que eu fazia e venho feito... Estou fazendo uns testes. Em algum momento, talvez eu faça um quadrinho como eu gostaria de fazer. Mas voltei por isso. E eles devem lançar as quatro histórias do Diomedes, em um único volume, também no ano que vem.
TG - Recentemente, você ilustrou a capa do livro “a máquina de fazer espanhóis”, do valter hugo mãe. Como surgiu o convite?
LM - A Cosac (Naify) me convidou e fiquei um ano... Todo esse tempo que trabalhei na história do ET, eu não fiz palestra, oficina e nem peguei freelance porque me tomava muito tempo. Aí eu resolvi pegar, voltar a trabalhar com algumas coisas e gostei. Gostei do convite. Achei o livro interessante e foi isso. Foi um trabalho como ilustrador.
TG - Você continua estudando tarô?
LM - Não, eu parei. Tive que me afastar da referência que o tarô teve sobre o meu trabalho. Ele tem uma estrutura muito boa pra você, partindo dali, construir qualquer história. Mas, para não repetir algumas estruturas que eu vinha experimentando, resolvi me afastar um pouco. E conforme o tempo passa, vou esquecendo muita coisa. Tenho um bom banco de dados, tenho muitos estudos e várias coisas guardadas sobre o assunto, mas não estava... (Isso) não tem me atraído mais e também quis me afastar um pouco.
TG - Quais são os autores que você não suporta?
LM - Não suporto? Puxa vida... Uma vez me queimei com uma pergunta dessas. Era sobre quadrinhos. Eu respondi que gostava de todo mundo. Mas ficaram insistindo... Aí falei de um cara que ficou muito ofendido. Acho que até parou de fazer quadrinhos. Nunca mais vi trabalho dele. Mas não era com essa intenção... Autor que eu não suporte? Geralmente os caras que não me atraem, eu nem leio. Tem autores que eu cansei. Tem alguns que já li e depois cansei. Mas existem alguns livros desses autores que eu gosto.
TG - Eram livros que, de repente, faziam sentido na época em que você leu e hoje não mais...
LM - É... Quando gosto de um autor, eu tento acompanhar o máximo possível da obra. Às vezes o cara tem um ou dois livros legais, mas têm outros que são ruins mesmo. Ou então que não tem a ver. Isso é muito pessoal. Não estou querendo fugir da pergunta, mas não lembro de ninguém que eu não suporte. Tem pessoas que nunca li e tenho preconceito. E provavelmente nunca vou ler por isso, porque tenho preconceito.
Livro também é isso: você tem que entrar nele. Não é como uma música, que você vai ouvir mesmo não querendo. Tem muita coisa que eu não li, tem muita coisa que eu nunca vou ler. Mas não tem nenhum assim que... Porque é aquilo: os que não me atraem, eu nem vou atrás.
TG - É possível viver de arte num país como o nosso?
LM - É muito difícil. Você começa a envelhecer e vai ficando cansado. Vai tendo menos disposição. Então, é muito difícil. É sempre uma luta. É cansativo. Não tem um momento que você diga: estou tranquilo, legal, vou me aposentar... Não tem, não tem. É preciso fazer de tudo. Tem que trabalhar mesmo e torcer que apareça alguma coisa pra você ir tocando.
TG - Para um jovem autor, vale mais publicar o trabalho na internet ou buscar o caminho impresso (mesmo que seja de maneira independente)? Insistir na procura por uma editora ainda é apropriado nos dias de hoje?
LM - Eu acho que tem que procurar editora pequena. O ideal é tentar se autoeditar. Isso é o ideal. Esse é o melhor caminho, porque dificilmente uma editora investe em um cara novo. E geralmente, quando investe, esse cara já fez pelo menos um livro independente... Ou mesmo na internet, né? Tem um pessoal que começou a colocar texto em blog e acabou sendo publicado até por editoras grandes. Acho que o caminho é produzir, mostrar para os amigos e ir seguindo. Uma hora aparece (uma chance).
TG - Como é a sua relação com a internet?
LM - Internet? É bem devagar.
TG - Você teve um blog, não é mesmo?
LM - Eu tive. No ano passado, ou no ano retrasado, eu tinha um blog. Voltei a ter um blog. Era pra dividir algumas coisas que eu não divido e também para reencontrar as pessoas que frequentavam o meu blog de Nova York. Só que acabaram usando coisas do blog em entrevista e isso me incomodou muito. Eu deletei tudo. Achei que era uma coisa mais fechada, assim, que só as pessoas que estavam lá entrariam...
TG - Mas o que você escreveu foi tirado do contexto?
LM - Foi. Botaram como se eu tivesse dito para uma jornalista algumas coisas que estavam no blog. Nunca imaginei que aquilo ia parar em um jornal, por exemplo. E não falei isso para jornalista nenhuma. Fui muito ingênuo de postar coisas que não eram para qualquer pessoa. Mas acho a internet boa para comprar. Outro dia eu precisava de um livro e, em três horas, ele chegou aqui em casa. É muito prático pra esse tipo de coisa. De resto, é cansativo. Mesmo e-mail eu acho muito chato. É a minha mulher que cuida disso. Não tenho paciência mesmo.
TG - Como foi conquistar o terceiro lugar no prêmio Portugal Telecom com o livro A Arte de Produzir Efeito sem Causa?
LM - Ah, foi surpreendente. Só de estar entre os cinquenta, eu já achei demais. Depois ficou entre os dez e conquistou o terceiro lugar. Foi muito corajoso da parte do júri. Já fui júri de um PAC de quadrinhos e já ganhei outros prêmios. Mas é isso: não dá pra você premiar o melhor. Prêmio também é uma coisa pessoal. Foi muito bom estar entre os três. Foi bom pra vida do livro, porque ele tinha sido muito atacado pela crítica e isso pesou nas vendas e tudo. Foi bom pra mim e é um livro que eu tenho muito carinho, que eu gosto. Foi legal, mas não acho que é o terceiro melhor livro dos quinhentos que concorreram ali. Não tenho essa ilusão e nem essa pretensão, mas fico feliz. Da minha parte, foi algo bastante inesperado. Eu não tinha expectativa nenhuma.
TG - Ter cursado a Faculdade de Belas Artes contribuiu com o seu trabalho?
LM - Muito, contribuiu muito. Principalmente por alguns professores que tive. Eu frequentava a casa do Pedro Lopes, que foi muito importante pra mim. O (jornal) Estado promoveu um reencontro nosso há uns dois ou três anos atrás. Aprendi muito com ele. É um cara que abriu a minha cabeça. Foi importante não só pro meu trabalho, (mas) pra minha existência, pra minha percepção.
TG - Eu li que você também fez fanzine no início de carreira. Você chegou a fazer fanzine mimeografado?
LM – Não. O Marcatti imprimia até capa colorida numa offset que é impossível imprimir quatro cores. Já conhecia o trabalho dele, mas não o conhecia pessoalmente. E tinha um cara que trabalhava comigo lá no Maurício (de Souza) que tinha o telefone do Marcatti. Aí eu tentei ir por ali. Fiz algumas coisas em mimeógrafos quando era muito novo. Era coisa de escola, de fazer jornalzinho e reproduzir uns desenhos. Cheguei a fazer uns mais de sacanagem com um cara que tinha um mimeógrafo em casa, mas não foram os meus fanzines. O primeiro de todos já foi numa offset caseira, pequena.
TG - Na época em que trabalhou com o Maurício de Souza, o que você fazia exatamente?
LM - Trabalhei na parte de cinema no Maurício, não em quadrinhos. Entrei como intercalador, fazendo o desenho intermediário na animação. Depois fui cenarista. Eu pintava os layouts de cenário pros filmes. Eu precisava trabalhar e estava na faculdade. Um amigo foi procurar serviço lá, resolvi ir junto e consegui. Era um emprego. Nunca fui muito ligado nesse universo, mas tinha um lado bacana que era trabalhar com material bom. Eu nunca tinha trabalhado com material bom mesmo. E o Maurício só usava o que tinha de melhor. Ele tinha uma gibiteca para os funcionários também, onde conheci muitas coisas. E o lance de ter que trabalhar, né? Embora eu desse uns “chapéu” por lá, você tinha que produzir, trabalhar e se disciplinar. Então isso foi muito bom.