terça-feira, 8 de setembro de 2020

A cópula das mariposas

Por Denise Fernandes


Imagem: Hide Iizuka


Entrei no meu quintal, e vi algo estranho. Chamei meu filho para conferir a estranheza: duas mariposas enormes, bem diferentes entre si, na parede do quintal. Perto do centro de São Paulo, já é difícil encontrar mariposas grandes, coloridas e, ainda por cima, copulando. Em cinquenta e quatro anos, é a primeira vez que vejo duas mariposas se reproduzindo. Achei lindo. E diferente.

O noticiário traz tanta notícia ruim que a gente fica com tontura, uma angústia que atordoa. Lembrei da nova palavra aprendida: "Serendipidade quer dizer aptidão ou dom de atrair o acontecimento de coisas felizes ou úteis; ou de descobri-las por acaso".

Foi uma felicidade achar as mariposas em cópula no quintal  como a flor que brota sem a gente perceber, como a criança escondida na estante. O resto é cansaço, o luto pessoal e coletivo que se estende como as nuvens do céu. Tem também um medo feio, escuro, povoado de fantasmas. E o amor indecente que as pessoas sentem por seus carros, o barulho horrível dos motores, a saudade das mãos do amado sobre as minhas.

Enquanto as religiões enchem a humanidade de culpas, são os insetos que entendem a sofisticada lógica da existência: ovos, larvas, voos, plenitude, metamorfoses. Como a criança na estante, procuro o meu lugar.

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