sexta-feira, 27 de março de 2020

Dias estranhos

Por Mayanna Velame




Abro os olhos, entre quatro paredes. Meu coração saltita dentro do peito. Lá fora, cães latem como se quisessem conversar. Afasto as cortinas. Um dia estranho se desenha para mim: esquinas vazias, carros sem destino e aviões no horizonte (escondidos atrás das nuvens).


A vida parece rendida ao medo. Sitiada, curvo-me sobre a escrivaninha. É a minha tentativa de rabiscar a solidão. Nas prateleiras, livros perfilados testemunham o movimento da caneta, marcando o papel. Neste ermo, onde me aninho, vejo os porta-retratos em cima da mesa. Sorrio para eles. Quantas histórias por trás de uma mera fotografia? Momentos únicos, paralisados no tempo, são eternizados pelo toque de um dedo.


Sigo observando. Nunca me atentei para o globo-terrestre que enfeita a mesa. O mundo é grande, tenebroso, mas, ao mesmo tempo, gracioso. Nossa morada é composta por água, terra, fogo e ar. Como é possível tudo isso? Aqui habitamos, escrevemos nossa história, circulamos, deixamos nosso legado.


Vida que vai. E meus olhos seguem o silêncio. Não há distrações, nem qualquer tipo de diálogo. Estou reclusa. Meus pensamentos ora se abrigam no instante, ora no fato já consumado.


Nesse desnorteio, a única certeza é o amor  que sempre será infalível. Onde ele faz morada, de alguma forma, o respeito floresce. Dia após dia, a sobrevivência é necessária. Respiro palavras, sons, gestos, sentimentos. Se pudesse, eu abraçaria o mar, visitaria a lua, roubaria teu sossego e semearia em hortas inférteis.


Os dias são estranhos. Nossos passos no momento atual. O agora se despede e traz o amanhã. Na dúvida que nos sustenta, afundamos em terreno arenoso. Dentre tantos pensamentos, a vida sucumbe. Esperneio palavras, galanteio novas emoções. Do lado de lá, o pavor tenta nos neutralizar. Aqui dentro, porém, há um coração que bombeia dor (e uma prosa de amor).

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