sábado, 10 de junho de 2017

Um gatinho carinhoso

Por Meriam Lazaro




Os gatos são mais carinhosos do que as gatas. Giga, que perdera os pais aos cinco anos, um por morte e outro por abandono, aprendeu carinho com eles. Encontrou Byte, seu gatinho cinza e branco, por acaso. Quando caminhava, na hora do almoço, avistou uma sacola junto à cerca. A sacola se movimentou. Correu para ver o que era. Não foi amor à primeira vista. Giga levou Byte para a veterinária para os cuidados necessários, com a intenção de encontrar um lar adotivo para ele. Como ninguém o quis, Giga, recentemente abandonado pela mulher, ficou com pena e o levou para casa.


Byte devia ter de dois a três meses. Encantava a todos e se encantava com tudo, como fazem todos os filhotes. Vinha se roçar nas pernas de Giga sempre que queria algo ou um pouco de carinho. Um dia, Giga chorou ao ver pela televisão seu time perder o campeonato. Não é que Byte veio e passou a patinha com unhas recolhidas no rosto dele? Foi aí que Giga entendeu o que é carinho puro.


Giga, contudo, tinha seus defeitos. Um deles, imperdoável: bebia e ficava violento. Numa dessas, quebrou a portinhola de vidro do armário. Na confusão alcoólica em que estava, julgou ter sido Byte e, com raiva, o jogou pela janela (de uma altura considerável). Depois que a bebedeira passou, se arrependeu e foi à procura de seu gatinho carinhoso que, amedrontado, fugiu. No dia seguinte, ao chegar em casa, se deparou com um vazio sem tamanho. Byte não viera recepcioná-lo, feliz, à porta. Mais uma vez saiu à procura e, desta feita, talvez por conhecer instintivamente a natureza humana, vendo que seu amo estava verdadeiramente arrependido, Byte se deixou apanhar e levar para casa. No colo miou alto, em sinal de reconhecimento e ronronou satisfeito. Aí Giga soube o que é amor incondicional.


Anos se passaram. Não muitos. Em torno de cinco. Byte não queria comer ração e emagreceu a olhos vistos. Giga, muito ocupado com seu trabalho, levou algumas semanas para levar Byte ao veterinário. Estava muito doente, dessas doenças que dão nos animais mais jovens e que, sabidamente, não têm cura. A causa, assim como para os humanos acometidos da mesma doença, era desconhecida. Poderia ser genético. Poderia ser estresse. Giga não mediu esforço nem economizou dinheiro para salvar Byte. Mesmo diante do prognóstico, não desanimou. Sabia que o sinal indicativo de morte para os animais se dava quando eles paravam de comer e Byte continuava comendo atum e carne moída.


Nós, humanos, sempre acreditamos que temos tempo. Todo tempo do mundo. Não era diferente com Giga. Acreditava, segundo leu na internet, que Byte ainda viveria de um a dois anos. Cuidou bem dele. Dava-lhe colo todas as noites. Pediu mais um milagre a São Francisco. Byte só piorava. Nem Giga era tão egoísta a ponto de querer que seu amiguinho continuasse a sofrer.


A tarde havia lido também sobre eutanásia para animais em fase terminal. Na madrugada seguinte, às cinco horas, Byte arrastou-se até o quarto de Giga e arranhou a cama, já fraco demais para subir nela. Giga, cansado das noites insones, levantou-se e ofereceu comida a Byte. Byte não aceitou, mas ainda encontrou forças para pular para dentro da caixa de papelão em que costumava brincar. Todos morrem. Chegou a vez de Byte. Poupou seu amo de ter que sacrificá-lo. Aí Giga aprendeu, além das palavras, que não temos tanto tempo assim.

Nenhum comentário :

Postar um comentário