sexta-feira, 16 de junho de 2017

O paciente

Por Mayanna Velame




Abriu a porta do consultório e deitou-se no divã. Exibia um rosto cansado e abatido. Tentava, de alguma forma, encontrar forças para desabafar tudo aquilo que sentia. Coração pesado. Olhar malogrado. O silêncio era imponente entre o paciente e seu analista.


No tique-taque das horas, nenhuma palavra saía dos lábios daquele cidadão contrito. A verdade é que não havia nada a ser declarado. Suas mãos mostravam-se calejadas. Os ombros encolhidos revelavam a falta de autoestima. Diluído em suas corrupções, ele olhava para o analista como se pedisse ajuda. No entanto, nosso cidadão estava sem voz, sem força e sem ânimo.


Por outro lado, o analista (com seus óculos de lentes arredondas) o esquadrinhava; buscando demonstrar seriedade. Observações à parte, era nítido que aquele paciente atravessava uma crise interna grotesca. Seu psicológico percebia um abalo. Suas estruturas estavam completamente comprometidas. O analista sabia que aquela omissão simbolizava resquícios de ambição, ganância, egoísmo e mentira.


No entanto, o paciente precisava de ajuda. Queria, de algum modo, livrar-se de suas transgressões. Gostaria de ser íntegro e, ao menos, compactuar suas atitudes com a ética e a moral. Pensamentos, ideologias, erros e acertos. O paciente engolia a seco sua falta de palavras. Sôfrego, tentou enxugar as lágrimas. A decepção o dilacerava. Diante do futuro, sua esperança lhe parecia quase nula.


Alguns minutos depois, o paciente se levantou. Tétrico, afastou as cortinas da janela e passou a examinar o dia. Lá fora, chuviscos umedeciam o asfalto. Pessoas cruzavam a avenida e carros dobravam as esquinas. O paciente, então, pensou: "A vida com seus malfeitores, países entregues ao desgoverno". Exausto, retornou ao divã. Desejou tornar-se um sabiá para gorjear pelas palmeiras. Tinha certeza que, dentro de si, havia um céu estrelado, várzeas a florescer e bosques resplandecentes em vida.


Confuso, o paciente fitou as mãos do analista. Viu que elas eram calejadas como as suas. Ambos se entreolharam. Cada um reconhecia a dor impregnada em seus respectivos corações. Fatigado, o analista perguntou: "Qual é seu nome?". Envergonhado, o paciente respondeu: "Meu nome é Brasil, e o seu?". O analista disse: "Pode me chamar de povo". No resto da tarde, paciente e analista permaneceram dialogando a respeito da vida, dos fantasmas, das fraquezas dos homens e dos sonhos ainda possíveis.

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