sábado, 3 de junho de 2017

Passatempo

Por Meriam Lazaro




Crescera ouvindo a mãe reclamar que suas idas ao cinema, nas matinês de domingo, eram perda de tempo. – Por que não quer ir à igreja rezar, menina? – perguntava-lhe o pai. – Ah, pai, isto é coisa de antigo! Nos anos dourados, vestida de minissaia, cabelos com laquê, goma de mascar na bolsa, lá ia Maria Reboleta para o descaminho.


Depois, se viu reclamando dos filhos que passavam diante da TV todo o tempo em que esta ia ao ar, das duas da tarde até a sessão Coruja. De manhã, cansados, era uma luta para acordá-los para que fossem para a aula. Cabelos desgrenhados, do jeito que saltavam da cama, vestiam o uniforme azul e branco e saíam com seus cadernos e livros.


Reboleta, agora na casa do filho, repara na imensa tela do televisor da sala, cuja imagem distorcida (pela pequena distância do sofá à tela) mostra um ator com duzentos anos, mas ainda galã! O filho condena todo e qualquer tempo perdido diante "dessas notícias horrorosas" que passam na TV, entretanto, comprou uma para cada cômodo. Reboleta, sentada ao lado do neto, aprende a lidar com o computador. Na verdade, até já sabe utilizá-lo. Mas agora, viúva, quer que o neto mais amado a ajude na construção do seu cantinho virtual. Quem sabe ali não encontre, além de diversão, sua sincera alma gêmea?


No site, Letta, como é conhecida no mundo virtual, publica textos que sempre falam de sua nauseante felicidade. Na imagem do perfil, entre laquês e brilhos, Letta sorri. Mudou o tamanho da tela. Seu passatempo, cada vez mais raro, é vestir o abrigo de caminhada e sair para a vida.

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