sábado, 17 de junho de 2017

O segredo

Por Meriam Lazaro


Imagem: Vincent van Gogh


Sentia o cheiro de pinho e da grama orvalhada, ladeando o caminho de cascalho. Havia o casal de mãos dadas no jardim. Ele, chapéu cor de palha, pescoço e rosto combinando com a calça verde clara. Ela, bolsa na mão, vestido musgo fazendo par com o terno do poeta.


Ouviu um som, seguido de instantes de torpor. Seus pés afundavam no mangue enquanto suas mãos seguravam as raízes aéreas. Diminutos caranguejos fugiam em direção à margem, para a qual ela seguia. Era tudo visão e olfato. Até o odor que vinha dos dejetos, em meio às touças de bananeiras, trazia boa sensação. Não lhe chegara ainda o mundo de palavras para censurar os sentidos.


Novamente o som da campainha, não mais do interfone, e sim da porta do apartamento. Procurou ao lado da cama o controle remoto inventado especialmente para ela.


Num tempo diferente daquele do carrilhão da sala, enquanto a fisioterapeuta subia as escadas, sentira-se menina em meio ao sonho, caminhando para além do quadro na parede. Esse seria possivelmente o segredo, com que o cérebro lhe recontara a longa passagem de vida em poucos segundos – o mesmo que diziam às pessoas que tiveram experiência de quase morte.

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