Por Amilcar
Neves*
Imagina. Imagina tu a
possibilidade: vais a um local onde, no lançamento da obra, se distribui de
graça o livro lançado. É um livro cujas fotos coloridas e brilhantes atraem tua
atenção e iluminam teus olhos porque retratam paisagens e ângulos muitas vezes
inusitados e pouco conhecidos da Ilha de Santa Catarina.
Já que a fila dos autógrafos é
longa e lenta, como convém a todas as filas de autógrafos, e ainda mais porque
são dois os autores a assinar dedicatórias e a abraçar amigos e admiradores,
que querem tirar fotos com ambos, resolves dar uma circulada pelo local,
atraído pelo piano cuja música escorre pelas paredes, insinuando-se de um
ambiente e de uma sala para outro ambiente e outra sala até extinguir-se perto
da porta de saída: a música não quer sair daquele espaço.
Acontece, na verdade, que as
paredes estão forradas de quadros, coloridos, feéricos, deslumbrantes, e o
piano, em verdade, mistura-se não só às obras expostas como também, agora
percebes, a um harmônico contrabaixo, os dois instrumentos em diálogo vivo e
arrebatador. Paras, então, sentas-te, então, e deixas a música fluir e te
envolver, tirando-te do cotidiano e elevando-te a algum patamar que,
concordemos, nem interessa saber qual é. Basta que eleve.
Finda a apresentação do duo,
quando pensas que retomarás a fila de autógrafos, que não encolhe nunca, dás de
cara com o pintor daqueles quadros todos que te rodeiam e que, maravilhados,
seguiram atentos os acordes sonoros. O artista te detém e, apontando a sessão
dos retratos que fez de escritores da terra, passa a contar-te a história de
cada retratado e das coisas sutis que ele colocou em cada obra para provocar e
instigar seus personagens - pois os retratos, mais do que dizer dos modelos,
dizem do artista que os pintou.
A chuva, que chove forte lá fora
e te surpreende sem guarda-chuva, capa nem galocha, não afeta em nada o enlevo
em que te encontras: chuva é assunto para tratares lá fora quando for a
ocasião, com a possibilidade nada desprezível de que, na hora precisa, ela já
se tenha ido para outras bandas.
Quem são
A quinta-feira foi no dia 17 de
julho passado. O cenário, o MASC, Museu de Arte de Santa Catarina, e o saguão à
frente da sua entrada, no Centro Integrado de Cultura (que talvez precise ser
rebatizado para algo como Centro Integrado de Artes Catarinenses). O livro, Florianópolis
Vista de Dentro, com fotos do Danísio Silva e textos do jornalista e
cronista Paulo Clóvis Schmitz. A música integra o
projeto Masc Museu Musical, com uma apresentação por mês, sempre em uma
quinta-feira. Em julho, o piano ficou a cargo de Luiz Gustavo Zago enquanto o
contrabaixo foi entregue aos dedos de Carlos Ribeiro Jr.
A exposição que
enobrece as paredes do museu recebe o título de O Coração no Olho. Olhos
e coração, eternizados em magnífico catálogo de muitas páginas (outro livro da
noite), pertencem ao artista Tércio da Gama.
João Ubaldo
Mais até do que as financeiras,
tenho muitas dívidas literárias ainda não saldadas (mas juro que vou pagá-las
todas, até a última linha, nem que para isso precise viver 112 anos). Uma delas
é com João Ubaldo Ribeiro, que se foi da sua imortalidade para outra eternidade
na madrugada de sexta-feira. Li dele, mais ou menos quando saíram, A Casa
dos Budas Ditosos e Sargento Getúlio. Esta novela foi um dos marcos
da revolução que se operou na literatura brasileira aí pelos anos 70.
Capitanearam a renovação da arte literária no Brasil a Editora Civilização
Brasileira, com Ênio Silveira nos 60, e a Ática, com Jiro Takahashi na década
seguinte.
Minha dívida com o baiano, que
manteve acesa a tradição da Bahia afirmada por Jorge Amado, é Viva o Povo
Brasileiro, com cuja leitura continuo imperdoavelmente em falta.
*Crônica publicada no jornal
"Diário Catarinense" de 19.07.14
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