Por Amilcar
Neves*
Magra, decidida, pilotando seu
próprio carro, comprado com o esforço do seu honesto trabalho, entra apressada
no posto de combustível, os vidros laterais dianteiros baixados até a metade. Adentra
o recinto, como gostam de falar certos locutores de futebol: "o juiz
adentrou o gramado verde do colosso citadino". Não é juiz, e sim árbitro,
mas fica muito mais fácil xingá-lo de juiz ladrão do que de árbitro larápio, ou
o que o valha.
Mas ela. No posto, demonstra não
ter tempo a perder, atarefada que anda num dia de final de semana, esses
compromissos todos que não a deixam sossegada. Para junto a uma das bombas de
gasolina (por sorte, não havia ninguém à sua frente - para sorte do ausente, evidentemente)
e pede que encham com o líquido de fácil e explosiva combustão um garrafão
branco de plástico que estende ao frentista com a mão esquerda.
Uma típica profissional
bem-sucedida dos tempos modernos. Mas não está só. Junto dela, saltitando em seu
colo, uma cadelinha de apartamento. Quer dizer: a cadelinha de apartamento é
sua cachorrinha de estimação, quase o motivo de sua vida. A moça é vidrada em
natureza, bichos e meio ambiente. Superantenada com o planeta, exigente no
tocante ao respeito devido a todo e qualquer ser vivo. A cadelinha chegou muda
e continua muda, o que é virtude rara nesse tipo de animalzinho.
Na mão direita, a moça traz um
cigarro aceso, um longo cigarro que certamente foi aceso no caminho, já bem
depois de ter passado a última esquina antes do posto. Fumando. No posto. Posto
de gasolina. De vez em quando, o cigarro desaparece com a mão por baixo do
volante. De vez em quando, o cigarro se sustenta aceso entre os lábios dela
(mesmo porque cigarros não têm lábios).
Um cliente foi chamar-lhe a
atenção por motivos óbvios, afinal estava do outro lado da mesma bomba, que por
pouco não vira uma bomba. Na meio da segunda frase dele, ela corta, irritada,
com sua voz de travesti:
- Foi uma imprudência, claro. Uma
falha, um erro, eu sei. Já pedi desculpas. Não precisa falar mais nada, não
está vendo que já estou apagando o cigarro?
Antecedentes
O caso é o seguinte, moço,
explica o frentista. Outro dia nós fomos falar, pedir com toda a educação, com
o cuidado que o negócio exige - não podemos ficar incomodando os clientes,
cliente incomodado vira ex-cliente, não volta nunca mais. Mas esse de que lhe
falo: era um cara fazendo a mesma coisa, fumando junto da bomba. Senhor, foi um
escândalo! O sujeito virou bicho. Gritou, xingou, puxou um rol de direitos,
pegou nome do funcionário, pegou nome do gerente, pegou nome do posto, razão
social, endereço, o escambau, e disse que ia processar o dono do posto e a
distribuidora de combustíveis que nos fornece o produto. A gente então fica nessa
sinuca, o que podemos fazer a não ser deixar ir tudo pelos ares?
Respira, aliviado: Essa, ao
menos, teve tempo de pedir desculpas - antes que tudo explodisse.
Mário
Antônio!
Certa vez, brincando, chamei-o
assim:
- Mário Antônio!
Ele se virou e disse:
- Puxa, deste-me agora um susto e
me remeteste à infância no interior gaúcho! Em casa, eu sempre fui o Mário, o
Marinho. Quando minha mãe ou alguma das minhas irmãs me chamava de Mário
Antônio! é porque eu tinha feito algo condenável e vinha reprimenda braba na
certa.
Pois o Mário Antônio da Silva
Pereira acaba de fazer algo muito feio na manhã desta segunda-feira, antes
ainda de realizar um dos seus sonhos, que era a Presidência da Academia
Catarinense de Letras.
Nos últimos dez dias foram-se o
Adolfo Boos Júnior (que saiu de mansinho, quando se soube estava sepultado), a
Nadine Gordimer, o João Ubaldo Ribeiro e, agora, o Mário Pereira, todos
excelentes escritores.
Está se tornando muito perigoso
ser escritor por estes dias.
*Crônica publicada no jornal
"Diário Catarinense" de 22.07.14
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