Por Mayanna Velame
Houve uma noite em que a melancolia resolvera me visitar. Pensei em não
lhe dar chances. Meu coração precisava de paz.
Decidi, então, abrir a janela da sala. Lá fora, os grilos cantavam e os
sapos coaxavam. Longinquamente podia ouvir vozes que se misturavam com sirenes
e motores de carros. No entanto, não foi isso que me chamou atenção. Muito
menos a noite estrelada, na qual a lua ladeada de nuvens era a protagonista.
Meu personagem, naquela noite um tanto tétrica, fora um gato. Sim, um
gato de rua, de pelos brancos e negros. Rabo comprido e malhado. O muro de casa
tornou-se um refúgio. Sentado, e com o peito estufado, o bichano permaneceu
ali, sobre aquele concreto frio e áspero. Imóvel e concentrado, suas pupilas
dilatadas miravam algo, talvez uma caça, um rato, não sei... Eu até que tentei
chamá-lo, mas desisti.
Durante alguns minutos, me desprovi de qualquer pensamento e passei a
observá-lo. No decorrer do tempo, eu gostaria de ser como aquele gato.
Despreocupado com as dores e as crises do mundo.
Na verdade, falta isso em nós: um tempo ou um momento para subirmos o
muro e contemplarmos a vida que nos cerca. Somos egoístas com nós mesmos. Temos
tempo para tudo e para todos, menos para nossas reflexões, pensamentos e
sonhos. Estamos sempre cheios de angústias e lamentações – e nunca vazios de
sentimentos que nos sucumbem a essência de viver.
O bichano bocejava, espreguiçava-se, eriçava seus pelos com o tímido
vento frio da noite. Continuou a fitar um objeto, que o enfeitiçava mais do que
qualquer outra coisa. E, com o olhar rasgado, descobri seu alvo. Naquela noite,
a personagem principal daquele animal solitário foi apenas... Eu.
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