sexta-feira, 25 de julho de 2014

O gato

Por Mayanna Velame
 
 


Houve uma noite em que a melancolia resolvera me visitar. Pensei em não lhe dar chances. Meu coração precisava de paz. 
 
 
Decidi, então, abrir a janela da sala. Lá fora, os grilos cantavam e os sapos coaxavam. Longinquamente podia ouvir vozes que se misturavam com sirenes e motores de carros. No entanto, não foi isso que me chamou atenção. Muito menos a noite estrelada, na qual a lua ladeada de nuvens era a protagonista. 
 
 
Meu personagem, naquela noite um tanto tétrica, fora um gato. Sim, um gato de rua, de pelos brancos e negros. Rabo comprido e malhado. O muro de casa tornou-se um refúgio. Sentado, e com o peito estufado, o bichano permaneceu ali, sobre aquele concreto frio e áspero. Imóvel e concentrado, suas pupilas dilatadas miravam algo, talvez uma caça, um rato, não sei... Eu até que tentei chamá-lo, mas desisti. 
 
 
Durante alguns minutos, me desprovi de qualquer pensamento e passei a observá-lo. No decorrer do tempo, eu gostaria de ser como aquele gato. Despreocupado com as dores e as crises do mundo.
 
 
Na verdade, falta isso em nós: um tempo ou um momento para subirmos o muro e contemplarmos a vida que nos cerca. Somos egoístas com nós mesmos. Temos tempo para tudo e para todos, menos para nossas reflexões, pensamentos e sonhos. Estamos sempre cheios de angústias e lamentações – e nunca vazios de sentimentos que nos sucumbem a essência de viver. 
 
 
O bichano bocejava, espreguiçava-se, eriçava seus pelos com o tímido vento frio da noite. Continuou a fitar um objeto, que o enfeitiçava mais do que qualquer outra coisa. E, com o olhar rasgado, descobri seu alvo. Naquela noite, a personagem principal daquele animal solitário foi apenas... Eu.
 

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