Por Amilcar
Neves*
Não sei como conseguiu,
mas o fato é que o senhor Koulibaly logrou me localizar e entregar-me sua
carta. Bem verdade que, nestes tempos de internet abundante e onipresente, sem
cabo ou mesmo por celular, fica bem mais fácil encontrar as pessoas - especialmente
quando, como no caso, não se trata de carta impressa, em papel, mas de mensagem
digital, de via eletrônica. Mas - devo dizer em defesa do senhor Koulibaly -
ele não me descobriu aqui através de uma qualquer dessas redes sociais,
igualmente abundantes e onipresentes, porém pelo antigo e quase obsoleto
sistema de malote eletrônico, pelo qual se precisa saber o nome que o usuário
adotou na rede e o sobrenome, ou seja, o provedor de mensagens que ele escolheu
ou contratou: o velho e-mail, de memória quase saudosa.
Internet sem cabo ou
mesmo por celular: as pessoas não sabem, ou já esqueceram, que houve tempo, lá
nos primórdios, que o acesso se dava por linha discada, de velocidade
baixíssima, com os minutos ou impulsos pingando ávidos na conta telefônica e
exaurindo sequiosos a conta bancária. Outro dia encontrei um sujeito que se
lembrava do ruído característico da conexão telefônica à internet: até hoje ele
tem pesadelos vorazes com a "musiquinha" que foi muito explorada nas
propagandas da banda larga.
Não deixemos, porém, o
nosso homem esperar mais tempo em função dessas digressões todas, afinal o
tempo dele vale muito dinheiro, como se verá a seguir.
O senhor Koulibaly é, de
fato, mister Benjamin Koulibaly, possivelmente um cidadão britânico
residente nas cercanias de Londres. É o que dá de deduzir da sua missiva.
Curiosamente, no endereço eletrônico pelo qual ele fez contato consta o nome
Coulibaly, o que só faz supor que Benjamin seja um sujeito às vezes um pouco
atrapalhado. Mas talvez seja um cara simpático. Por exemplo, ele abre sua
correspondência chamando-me de "caro amigo", o que não é pouco,
convenhamos. O problema da carta de mister Koulibaly é que aparenta ser um
texto traduzido para o português por algum desses programinhas de baixo nível tecnológico,
que verte apenas palavras sem sequer se preocupar em invertê-las para se
adequar às normas de estilo do idioma de destino - e produz tamanha salada, em
aparência, a partir de um original escrito por quem não sabe escrever (existe
este tipo de pessoa mesmo na Grã-Bretanha). Por isso que penso que ele possa
ser um sujeito simpático, não dá para ter certeza pela mendicância do texto.
Por exemplo, ele começa assim a correspondência que me destina:
"Por
favor não ser incomodado em receber esta proposta urgente negócio como você não
me conhece, antes, de qualquer maneira, é transação comercial sobre
confidencial envolvendo a soma de £3,200,000:00 libras esterlinas (£
3.2M)".
Ops! Esse
valor aí dá cerca de 12 milhões de reais! Uma mega sena acumulada por duas
semanas. Mister Koulibaly se diz Gerente de Gestão de
Valor para o Cliente do Banco HSBC em Londres e sugere que esse dinheiro,
parado lá há 10 anos, deve ser ou pode ser meu, e que preciso ajudá-lo a
"desviar o quantidade acima mencionado", conforme escreve, para minha
conta, pois a lei inglesa obriga o confisco de dinheiro sem movimentação por
tanto tempo.
Para
possibilitar essa operação, no entanto, o Benjamin propõe me cobrar honorários
ou propina de - pasmem, isso na Inglaterra! - 60% do total! Pra mim, assim,
restariam menos de cinco milhões! Penso denunciá-lo por cobiça imoderada ao
presidente do banco onde ele trabalha.
*Crônica publicada no jornal "Diário
Catarinense" de 14.05.14
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