Por Denise Fernandes
“Não desças os degraus do sonho
Para não despertar os monstros.
Não subas aos sótãos - onde
Os deuses, por trás das suas máscaras,
Ocultam o próprio enigma.
Não desças, não subas, fica.
O mistério está é na tua vida!
E é um sonho louco este nosso mundo...”
(Mário Quintana).
Quando
eu estava grávida da Bia, há 29 anos atrás, estava um verão como esse agora:
quente, mais que quente, a gente quase que derrete em vários momentos do dia. A
gente fica transpirando mesmo estando parado. A gente toma uma limonada gelada
como se recebesse sangue novo. Tem picolé também para agradar. E tem o bafo
quente cozinhando a gente de várias formas.
Eu
deitava grávida de oito meses na banheira cheia de água fria, como um ovo
quente. Voltei a dormir porque a médica me receitou um calmante. Eu sonhava com
o parto e com o bebê. Eu tinha medo de que minha filha nunca me chamasse de
mãe. Esse medo era o principal e me atormentava. Adoro ouvi-la me chamar de
mãe.
Naquela
época a gente viu "Sonhos de uma noite de verão" de várias formas:
peça, filme. Eu tinha medo de tudo o que de fato aconteceu com meu casamento. E
a peça, o filme, tudo se confundia com o que eu vivia. Gastei muito tempo
tentando entender.
Agora
minhas noites de verão são mais tranquilas. Repletas de memórias e ideias. Para
mim tudo bem ser “penso, logo existo”. E verão: ter o quente de dentro no
quente de fora, frutificar. A árvore aqui de casa floresce no verão, mesmo não
sendo ausente na primavera. Acho que até preciso dessas pequenas flores, e
quando a vizinha reclama da sujeira da árvore, sorrio por dentro a vitória tão
pequenina, amarelinha a branca, cobrindo o chão. A vassoura festeja a flor, mas
minha vizinha não percebe. Ela vê de outro ângulo. E tenho medo que ninguém
mais veja da forma que eu vejo, ainda não sei a dose da solidão ou o que Deus
quer de mim ou o que os deuses querem para eles da parte que me cabe. Assim,
confusa, o que me resta é essa latitude, longitude; um velho disco na vitrola;
o pássaro que passa cantando alto; a música que está tocando é minha.
Apesar
do cansaço, acordo na noite de verão e imagino que outros também acordam: tem
um sol na minha cama na madrugada de verão e me sinto como uma verdura
refogada. Sonhei tanto.
A
cachorra aproveita o gelado do piso e dorme, desmaiada, relaxada. Sinto tanta
inveja da minha cachorra quando a vejo assim, curtindo plenamente o momento. Na
noite de verão ela late, mas é para conversar com outros cães, para afugentar
os ratos. Ela deixa para sonhar de dia. Será que ela sonha comigo? Será que nos
seus sonhos dou um monte de carne a ela? Ou passeamos, passeamos e passeamos?
Sei que é estranho que os sonhos dela me interessem tanto, mas os meus sonhos são
tão estranhos que é bom me refugiar em outros sonhos.
Enquanto
o verão brota em cada um como essa flor radical, desistimos de morrer e
desistimos de desistir; o que é mais importante do que simplesmente continuar.
Porque com o coração cheio dessa cor que o verão traz, há mais amor, mais
desejo. Mesmo que eu pareça um pouco distante de tudo; é que estou aprendendo,
há muitas páginas em branco dentro de mim, muitas doses de um medo fino,
parecendo um licor, muitas perguntas e altitudes. Mesmo assim é possível
perceber a cor do verão até em suas mãos.
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