quinta-feira, 21 de julho de 2016

Alteritas

Por Daniella Caruso Gandra




Tu não podes ser meu constituinte,
mas ainda há teima em buscar identidade.
Como nas palavras de Descartes.
prefiro cogitar-te para dominar-me.


Acontece assim quando nos apaixonamos,
só vemos o que de nós no outro pomos.
E no momento em que a razão se desarticula,
desvalorizamos num gesto egocêntrico,
nos autopreservando.


Esta é somente uma parte,
mas não a única verdade.
Existe outra sem a exacerbada individualidade,
ou o aspecto sombrio da doce possessividade.


Sou aquela além de ti, uma estranha,
a que te atrai, perturba e te convoca a acolher...


Sou a que te responde, te surpreende,
te habita, contudo, tu não me reconheces,
ou faz de conta que assim procede,
pois me distancio de teus esquemas assimiladores.


Tu me percebes na desordem,
porque tua teimosia decide que tudo tem de ter seu lugar.
E na ambiguidade que tu me defines,
sou tentadora quando para ti abrem-se novas possibilidades,
excluídas na ordem que rege teus dias,
ao mesmo tempo,
sou ameaçadora,
desestabilizo tuas vontades soberanas.


Se realmente quiseres me compreender,
conduzas-me à conversação,
põe-te em meu lugar,
e notes outras expectativas que não só as tuas.


Somente assim, provocar-te-ias uma revolução
exporia-te às dúvidas que contrapõem teu coração,
descobrindo teus próprios preconceitos,
rompendo com teus enclausuramentos.


No entanto, é sempre possível que algo te escape,
porque na generosidade, longe do ego exagerado,
somos todos finitude, o não dito.

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