quinta-feira, 16 de julho de 2015

Navegar em terras profundas

Por Amilcar Neves*


Temos que aprender novas matérias, cultivar novas habilidades, nos adaptar a novas situações. Da mesma forma como um dia aprendemos a navegar em águas profundas, assim também precisamos rever nossos conceitos sobre segurança e estabilidade para sobreviver em um mundo sob mutação física acelerada.

Os antigos marujos oravam agradecidos e aliviados ao atingir o que chamavam de "terra firme", em oposição ao elemento líquido sobre o qual exerciam uma tênue busca de equilíbrio para se manter à tona. Após muitos naufrágios, o mundo acabou se alargando –para o bem e para o mal. Apesar disso, navios nunca deixaram de ir a pique, seja por causas naturais, por incompetência e irresponsabilidade ou por ação direta do homem.

Poucas coisas haverá mais firmes do que uma rocha de 80 metros cúbicos pesando duas mil toneladas. Sobre ela construirás a tua Igreja – até que, após milhares de anos na mesma e "eterna" posição, ela se desloca no Morro dos Cavalos e cai sobre a estrada, fechando-a por completo: debaixo do enorme bloco de granito havia terra, a "terra firme" dos argonautas, que se fez fluida como pudim em cinco meses de chuvas ininterruptas.

Sozinha, sem apoios, a rocha não valia nada apesar de aparentar robustez e estabilidade. Hoje ela jaz desfeita em incontáveis fragmentos, condição única para afastá-la do caminho do "progresso", pelo qual têm pressa de passar nossos carros e caminhões.

Pensa-se que, no Brasil (uma das nossas vantagens sobre outros povos), não temos vulcões, esse terror das terras inóspitas. Talvez isto não seja propriamente verdadeiro, dada a quantidade de lavas frias que se desprendem do alto dos morros em Santa Catarina neste período de desgraças que se abatem sobre o Estado. Pior ainda aqui, pois a erupção não se anuncia com antecedência por sinais geológicos que podem ser captados, interpretados e traduzidos em alerta às populações envolvidas. Não: aqui, de repente, a montanha – qualquer montanha, não apenas aquela que abriga um vulcão – simplesmente desce ladeira abaixo, deixando um rastro de dor, morte e muita destruição.

Precisamos aprender que o solo não é firme nem sólido e descobrir maneiras de navegar em terras profundas, pastosas como mingau, enquanto nos perguntamos: e essas barragens todas por aí, hem?, estão ancoradas sobre quais bases? Sobre rochas de duas mil toneladas, talvez?

*Crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 03.12.2008

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