terça-feira, 21 de julho de 2015

Assombrações do Cambuci antigo

Por Denise Fernandes




                                                                                      (Para Newton Moreno)

Dentro de mim mora um anjo. Eu cantava para minha filha linda, perto do cemitério, em mil novecentos e bolinha. Liberdade. A palavra não-dita. Que não quer calar. Dentro de mim, mora um anjo, que sonha, dorme, e lava meus pés. Dentro de mim, mora uma máquina de lavar roupas.

Lembro do dia em que eu e a Bia afogamos o paraquedista de plástico do meu filho Lucas, enquanto ele dormia. O pobre do brinquedinho falava, sem-parar, que queria matar alguém. Metralhadora na mão. Nós o afogamos com uma pedra. Antroposofia no lixo. Quem rega meu jardim: Rudolf Steiner ou eu? Sou ninja brasileira. Do Japão, me trazem ikebanas de rosas. Penso tanto em ti, mas não faz mal. Sou espiritualista e ciumenta, nunca vai dar tudo certo.

E agora me vem Dona Antônia, depois de morta, me pedir para regar as rosas dela. As rosas não falam. Coincidência. Dona Carmem, minha vizinha que faleceu, que frequentava reuniões do Tao, e antes fazia parte da Eubiose, também tinha rosas no quintal de sua casa.

Tenho medo de Deus, com suas espadas, e lanças; e pessoas que ameaçam com balas perdidas, antes de atirá-las. E fingem ser pessoas do Bem; mas são só pessoas com bens. Como estar bem? Dona Antônia pede, continua, lá no céu, também tem vaga para alugar...

Tudo vale a pena quando a alma não é pequena, quando se olha a rosa na janela, e não se quer sofrer mais, pelo amor de Ninguém.

Olho a Rosa na janela porque sou pequenina, e Volpi me manda um buquê de Rosas pequeninas, enquanto estou presa numa casa estranha, onde mora um vilão, que se projeta no Ar. Eu pensei que era o Batman, mas não era Ninguém.

E Dona Antônia me explica que, lá no Céu, chovem pétalas de rosas. Que os deuses tudo veem, tudo bem nos inferninhos, e vigia cada um dos anjinhos. Os anjos comem Tomate no céu, e só na Terra vivem de Luz. Os anjos não voam lá no Céu. Eles só têm asas aqui. Dona Antônia, que morava na ladeira em frente à mecânica do Seu Zelão, onde tem um mecânico cego, que faz diagnóstico de qualquer carro com sua audição. Ninguém no Mundo é realmente cego, ou surdo, porque vemos com todos os nossos poros, e só choramos, não porque estamos tristes, ou alegres, mas... porque, quando nossa alma toca algum lugar muito nobre do nosso Corpo, o nosso corpo chora. Por isso, o Mystério do choro é maior que o do riso, porque, quando rimos, sabemos que Deus está por perto. E onde moram os deuses, mora o Infinito.

No Zohar, na cabala secreta da Vida, onde os deuses incendeiam, e não incendeiam o Homem, escuto o silêncio da Noite negra. Como um tufão. Ouço os relâmpagos, e não posso fazer Nada. Realmente, não sei o que fazer. Plantada como uma árvore, com saudade do dia que se transformou em gelo na Aclimação.

Sou alérgica à vida. A minha gata velha vomitou muito.

O vento rouba meus pensamentos. No fundo, luto contra caranguejos, escorpiões, restos de naufrágios, e fogo. E quando as ondas do mar se levantam, sinto medo, ou talvez seja tristeza; olho pra Cima. Penso, logo, existo. A espuma do mar se cristaliza, beija os meus pés. E ela é doce, muito doce.

Nenhum comentário :

Postar um comentário