quinta-feira, 9 de abril de 2015

Um enfermo sem imaginação

Por Amilcar Neves*

 
 
Algacyr Osório, filho de Algamedes Osória e Cyro Osório, é um escritor desconhecido do Sul do Estado. Natural de Meleiro, formou-se em Direito por faculdade de Roraima, foi aprovado em Exame de Ordem pela Seccional Acre, transferiu-se para Santa Catarina e atua na cidade onde nasceu e em povoações adjacentes. Sua verdadeira paixão, no entanto, é a boa e velha Literatura lida em livros de papel e escrita à mão em blocos de folhas finas e pautadas, objetos cada vez mais raros hoje em dia. Para evitar surpresas desagradáveis, encomendou à fábrica um lote de dez fardos de 50 caixas com 40 blocos de carta cada uma – antes que resolvam produzir apenas o que interessa à sociedade do século 21.
 
Não há por que estranhar esse pedido monstruoso, pois só o é em aparência: trata-se do fato de que, meticuloso e perfeccionista, Algacyr Osório não admite rascunhos rasurados, borrados ou rabiscados: ele os vive passando a limpo, de alto a baixo, caso uma incorreção qualquer polua o seu texto. Então, com uma letra redonda e grande, vistosa e imponente, Algacyr Osório gasta bastante papel para manter seu texto sempre imaculado. Como se fosse uma tela de computador.
 
Apesar do considerável volume da sua produção, Algacyr Osório continua desconhecido, embora não inédito: fora as peças jurídicas, como procurações, termos de confissão de dívida, requerimentos, contestações, recursos e iniciais, são de sua lavra e autoria todos os discursos e artigos, pronunciados uns, assinados os outros pelo prefeito municipal de Meleiro. Os artigos, em especial (posto independerem da dicção prefeitoral), têm obtido boa repercussão microrregional pelo fato de aparecerem em hebdomadários até de Araranguá e Criciúma.
 
Façanhas maiores de Algacyr Osório, em nome do alcaide, foram a extrapolação das fronteiras catarinenses, quando uma peça tratando do cultivo de arroz nas várzeas de Meleiro saiu numa publicação de Osório, RS, e a penetração no centro do poder estadual, com um texto sobre as festas típicas do município, o qual se viu abrigado em um diário da Capital.
 
– O diabo, primo – costuma ele reclamar para Manoel Osório –, é esta gripe que me assola quase a cada mês, com suas dores e inconveniências todas que a acompanham: onde conseguir a inspiração para bordar uma peça literária à altura das tradições do nosso querido líder, o prefeito da cidade?

*Crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 25.08.10

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