quinta-feira, 30 de abril de 2015

Dia de clássico

Por Amilcar Neves*

 
 
Por vezes o futebol tem uma influência muito perniciosa sobre a literatura. Mesmo que essa literatura seja apenas uma despretensiosa crônica. Como esta.
 
O título já estava decidido. "Dia de clássico" parecia ser um bom nome para o trabalho, especialmente num dia como hoje, em que se disputará, à noite, o clássico do futebol local, um cruzamento de séries do Campeonato Nacional: o Avaí da Série A jogando em casa contra o Figueirense da B.
 
O texto ia começar mais ou menos assim, reparem:
 
"Um dia de clássico é todo dia em que você coloca para tocar um disco do Ludwig van, o Beethoven. Pode iniciar com a Sinfonia nº 9, a 'Coral', ou com os concertos para piano e orquestra. Esse é um dia de clássico por excelência.
 
"Clássico por clássico, será igualmente um dia assim, especial, aquele em que seu toca-discos reproduzir o 'Jazz Sébastien Bach', o LP de vinil gravado pelo grupo vocal Les Swingle Singers e adquirido ainda outro dia em São Paulo – em julho de 1969.
 
"Dias de clássico estarão democraticamente disponíveis sempre que qualquer pessoa abrir um Shakespeare para ler alguma das suas peças, como os dramas históricos publicados certa ocasião pela Melhoramentos que o Márcio Zeni e a Lucimar trouxeram de um sebo em Curitiba ainda neste final de semana.
 
"E toda vez que alguém sentar com qualquer livro de Machado de Assis ou Thomas Mann se terá mais um dia de clássico. Ou quando pegar para assistir a 'Cidadão Kane', 'Casablanca' ou um Ingmar Bergman. Clássicos são inumeráveis, inesgotáveis e inesquecíveis."
 
A partir daí surgiriam algumas digressões sobre o clássico em futebol – o duelo entre rivais históricos, geralmente da mesma cidade, em que é comum vencer aquele que está passando por pior momento – e o fato de que ele não acontece por vontade do torcedor e, sim, em obediência à tabela da competição.
 
Então seguir-se-iam comentários "imparciais" sobre o empate entre os dois segundos colocados e a vitória do líder, ampliando a diferença entre eles de cinco para sete pontos faltando quatro rodadas para o término do campeonato.
 
Aí a literatura foi traída pelo futebol, pois o Figueirense aplicou 3 a 0 no Metropolitano, o Avaí perdeu para o Imbituba pela contagem mínima e a folga do time da Ressacada sobre a equipe do Estreito caiu para minguados dois pontinhos, contingências que só serviram mesmo para botar mais pimenta no clássico desta noite.

*Crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 24.03.10

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