quarta-feira, 6 de julho de 2011

John Lennon e Raul Seixas – Parte 1 de 3

Por Fabio Ramos


Tanto John Lennon quanto Raul Seixas eternizaram suas vidas através das canções que escreveram. Ambos souberam utilizar a música como uma ferramenta para externar seus pensamentos. Por focarem em temas universais, a obra dos dois ícones continua atualíssima (servindo de referência para as novas gerações). Sem desmerecer nosso saudoso Maluco Beleza – que jamais negou a influência de Lennon –, é possível enxergar semelhanças entre a trajetória deles. Vale salientar que Raul não alcançou o sucesso internacional do famoso beatle. No início dos anos 1980, o compositor brasileiro comentou sobre o álbum “Opus 666”, que traria versões em inglês de antigos hits e seria lançado no exterior. O projeto não vingou, mas parte dessas gravações podem ser conferidas no CD “Documento” (editado postumamente em 1998).

A cidade de Liverpool, na Inglaterra, sofria um violento ataque aéreo dos alemães em 09 de outubro de 1940. Ironicamente, nascia na mesma data o pacifista John Winston Lennon. O “Winston”, sem dúvida nenhuma, era uma homenagem ao estadista britânico Winston Churchill. Anos mais tarde, ele mudaria seu sobrenome para Ono. John realmente não teve uma infância das melhores: rejeitado pelos pais, Alfred Lennon e Julia Stanley, o garoto foi entregue à tia materna Mimi; que o criou como um filho. Alfred trabalhava como garçom em embarcações marítimas – e passava longos períodos fora de casa. Julia, por sua vez, raramente o visitava.

Alfred reapareceu quando John tinha por volta de cinco anos. Dessa vez, ele estava de mudança para a Nova Zelândia e pretendia levar o filho junto. Alfred e Julia brigaram. No último minuto, John acabou ficando. Julia conheceu outro homem, foi viver sua vida e devolveu o menino à Mimi. Com o passar dos anos, Julia aproximou-se mais de John chegando, inclusive, a presenteá-lo com uma guitarra (ela, que sabia tocar banjo, ainda ensinou os primeiros acordes ao garoto). Justamente nessa fase de reaproximação, Julia morre atropelada por um ônibus em 15 de julho de 1958. O descaso dos pais inspirou a canção “Mother” – inclusa no LP “Plastic Ono Band”, de 1970 (seu primeiro disco solo). Sobre a mãe, John também escreveria as músicas “My Mummy is Dead” e “Julia” (lançada em 1968 no Álbum Branco dos Beatles).

Com uma infância totalmente oposta à de Lennon, Raul Santos Seixas nasceu no dia 28 de junho de 1945, em Salvador. Ele sempre enfatizou ter nascido no ano em que as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki foram destruídas pela explosão da bomba atômica. Seus pais formavam um típico casal de classe média: Maria Eugênia (conhecida por sua personalidade forte) era uma “dama da sociedade” e Raul Varella Seixas era engenheiro da estrada de ferro (o fascínio por trens inspiraria Raul a compor a canção “O Trem das Sete”). Raul Varella também foi poeta e seresteiro. O filho cantor chegou a gravar composições do próprio pai, como é o caso de “Minha Viola” (do excelente “Abre-te Sésamo”, de 1980) e “Coração Noturno” (do auto-intitulado “Raul Seixas”, de 1983).

Apesar de viverem tão distantes um do outro, os dois jovens compartilharam a mesma identificação pelo rock’n’roll. Ao tomarem contato com aquele ritmo incendiário, suas vidas mudaram drasticamente. Por ser uma importante cidade portuária, Liverpool tomou conhecimento do novo estilo musical pelas mãos dos tripulantes ingleses. Eles viajavam para os EUA e retornavam à Inglaterra com os primeiros discos de Elvis Presley, Fats Domino, Chuck Berry e Jerry Lee Lewis (Lennon declarou que nem conseguia falar quando ouviu “Long Tall Sally”, de Little Richard). Raul morava ao lado do consulado americano em Salvador e foi apresentado à novidade pelos filhos dos funcionários da representação estrangeira. Junto com Waldyr Serrão, seu colega de infância, funda o “Elvis Rock Club” em 1958.

O início da carreira dos astros também aponta similaridades. Sempre fazendo uso de sua liderança natural, John forma o “The Quarrymen” em 1956. Paul McCartney assiste uma performance do grupo na Igreja de Woolton e encontra o futuro parceiro pela primeira vez. Lennon o convida para tocar guitarra-base na banda e Paul aceita. Mais tarde, McCartney traz o exímio guitarrista George Harrison. John convence o amigo Stuart Sutcliffe a tocar baixo com eles. O baterista que os acompanhava, Tommy Moore, logo é substituído por Pete Best. Antes de escolherem o nome “The Beatles” – um trocadilho formado com as palavras “beetle” (besouro, em inglês) e “beat” (batida) –, ainda batizam o grupo como “Johnny and the Moondogs” e “The Silver Beetles”.

No início da década de 1960, Stuart abandona-os e Paul assume o baixo. Os inúmeros shows no “Cavern Club” chamam a atenção do empreendedor Brian Epstein; proprietário de uma loja de discos próxima ao clube. Ele é aceito como empresário dos Beatles e o baterista Ringo Starr fica com o posto de Pete. Com essa formação, eles fazem um teste para a gravadora Decca e são recusados (os executivos da companhia afirmaram que bandas com guitarras estavam em franca decadência). Devido à persistência de Brian, os quatro rapazes são contratados pelo selo Parlophone – da gravadora EMI – e, daí por diante, qualquer pessoa é capaz de contar o que aconteceu. Depois de anunciado o fim do sonho, em abril de 1970, Lennon segue carreira solo.

Raul também não fica atrás e cria “Os Relâmpagos do Rock” em 1962. No ano seguinte, o grupo passa a se chamar “The Panthers”. Em meados de 1964, eles recebem o nome definitivo de “Raulzito e os Panteras”. Foi exatamente nessa época que o roqueiro baiano escutou “I Want to Hold Your Hand” e ficou alucinado. Sobre esse acontecimento em especial, o próprio declarou: “Fundei os Panteras pela necessidade de dizer coisas, de fazer rock. Mas, na verdade, foram os Beatles que me deram a porrada. Quando os ouvi, pensei: esses caras estão cantando realmente a vida deles, estão dizendo o que há pelo mundo, o que pensam. Então, eu posso fazer a mesma coisa, dizer exatamente o que penso em minhas músicas. E com os Beatles descobri que o rock podia ser usado como um veículo. Não havia percebido isso antes. Eu usava o rock como uma revolta, uma revolta irracional. Mas os Beatles canalizaram a coisa e mostraram o outro lado de tudo. Me disseram: vai, entra na máquina, entre na ratoeira, vá lá e faça. Curta”.

Raul e seus colegas acompanham Jerry Adriani (como banda de apoio) em 1967, durante uma turnê do cantor pelo Norte/Nordeste. Eles resolvem tentar a sorte no Rio de Janeiro e lançam pela gravadora Odeon, em 1968, o fracassado “Raulzito e os Panteras”. O álbum continha até uma versão em português de “Lucy in the Sky with Diamonds”; escrita por Raul e intitulada “Você Ainda Pode Sonhar”. Não suportando as dificuldades financeiras na Cidade Maravilhosa, todos voltam a Salvador. Dois anos depois, Raulzito conhece o diretor da gravadora CBS – Evandro Ribeiro – na Bahia, que o convida a ser produtor. Com uma situação financeira mais estável, ele retorna sozinho ao Rio e produz vários LPs de sucesso para artistas da Jovem Guarda.

Aproveitando uma viagem do presidente da CBS em 1971, Raul reúne alguns amigos no estúdio e grava sem autorização o que seria seu segundo disco, chamado “Sociedade da Grã-Ordem Kavernista Apresenta Sessão das Dez”. Evandro exige que Raul decida-se entre o cargo de produtor musical ou de cantor. Como era de se esperar, a escolha pela carreira artística custou o emprego na gravadora. Em 1972, a Rede Globo promove o VII Festival Internacional da Canção. Raulzito inscreve as músicas “Let Me Sing, Let Me Sing” (uma fusão do rock de Elvis com o baião de Luiz Gonzaga) e “Eu Sou Eu, Nicuri é o Diabo”. Após ter as duas canções classificadas no festival, Roberto Menescal convence Raul a assinar contrato com a gravadora Philips/Phonogram. O esperado sucesso ocorre quase um ano depois. Sobre a fase como produtor da CBS, ele relembraria: “Como os Beatles, que aprenderam no estúdio, eu aprendi tudo na CBS, os macetes todos. Aprendi a fazer música fácil, comercial, intuitiva e bonitinha, que leva direitinho o que a gente quer dizer”.

No próxima quarta, confira as similaridades entre a vida pessoal de John Lennon e Raul Seixas; além da relação de ambos com a literatura. Aguarde!

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