Por Alex Constantino
Recentemente, recebi, lisonjeado, um convite para participar de um clube de leitura que se propõe a ler e discutir a cada rodada um livro escolhido por suas participantes.
Para um apaixonado pela literatura esse é um excelente pretexto para a aquisição de mais um livro, sem contar a inestimável oportunidade de conviver com outras pessoas que partilham dos mesmos interesses. E o privilégio é ainda maior quando se trata da possibilidade de integrar um grupo com quatro mulheres tão especiais.
É óbvio que aceitei o convite sem pestanejar e daí fui introduzido, sem duplo sentido, por uma delas às demais participantes. Tratei logo de me apresentar e fiquei muito feliz com a ótima recepção por parte delas, o que já era esperado se tratando de pessoas tão simpáticas.
Porém, um detalhe me incomodou um pouco e não tem nada a ver com as meninas (espero que elas não se incomodem de chamá-las assim) e, ao mesmo tempo, tem tudo a ver. Explico-me melhor.
A primeira mensagem enviada por uma delas ao grupo, depois de feitas as apresentações, começa assim: olá queridos! Também fui dar uma olhada no blog mantido pelo clube e elas atualizaram o “quem somos” para constar algo como: somos cinco apaixonados por literatura...
Fiquei constrangido porque me dei conta que a opressão das normas de gênero, mencionada pelo movimento feminista, está tão disseminada que ecoa, inclusive, nas normas de padronização da língua.
As meninas mal abriram as portas do clube para me receber e o gênero masculino se esgueirou sorrateiramente para dentro dele tomando conta do pedaço.
Muitos argumentariam que estou fazendo tempestade em copo d’água, pois se trata de um caso simples de concordância nominal em que o adjetivo concorda com a soma dos elementos, indo para o plural e no masculino porque um deles é desse gênero. Será mesmo?
Fazendo um trocadilho com os termos gramaticais, parece-me mais um caso de regência: onde o substantivo (ou pronome, ou numeral) masculino estiver, não importa se acabou de aparecer ou se estiver cercado por vários substantivos femininos (ou pronomes, ou numerais), deverá prevalecer como o soberano da frase, tomando para si todos os artigos, adjetivos, pronomes adjetivos, numerais adjetivos ou particípios. Aos termos do gênero feminino só resta obedecer e concordar, mesmo que seja uma concordância meramente nominal.
A mim, fica a impressão que as normas gramaticais estão a reproduzir e perpetuar uma perspectiva de predominância masculina. Mal ingressei no grupo e, apoiado numa regra gramatical, lá fui eu, mesmo sem querer, transformá-las em queridos e apaixonados.
Que plural é esse que nega sua própria natureza e privilegia um indivíduo em detrimento da maioria do grupo?
Talvez seja o caso de ignorar uma regra impositiva de concordância nominal e estabelecer um acordo mútuo de consciência e consenso gramatical. Se é plural prevalece o gênero da maioria. Pode ser uma afronta às normas gramaticais, mas antes ofendê-las do que às minhas novas amigas.
Portanto, meninas, nem se incomodem em usar a longa e desnecessária saudação “queridas e querido”, usem “queridas” por justiça e merecimento. E me sentirei honrado de figurar no “quem somos” do blog dentro do termo apaixonadas por literatura.
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