quarta-feira, 20 de julho de 2011

John Lennon e Raul Seixas – Parte 3 de 3

Por Fabio Ramos


Em relação ao cinema, Lennon seguiu os passos do ídolo Elvis Presley – que estrelou diversos longas-metragens – e debutou nas telas, ao lado dos Beatles, no semidocumental “A Hard Day’s Night” (Os Reis do Iê-Iê-Iê, de 1964), dirigido por Richard Lester. O cineasta faria “Help” um ano depois e convidaria John para integrar o elenco de sua comédia antibélica “How I Won the War” em 1966. O desempenho de Lennon como ator arrancou elogios do diretor e da equipe técnica. Ele virou desenho animado no divertidíssimo “Yellow Submarine” – apesar de não ter dublado a animação – e também participou de “Magical Mystery Tour” em 1967. Já “Let it Be” (1970) exibe os bastidores da gravação do álbum homônimo e o show no telhado da gravadora Apple; na última apresentação pública dos Beatles. Exatamente nesse ano, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas criou o prêmio “Melhor Trilha Sonora de Canções” apenas para entregar à banda um Oscar por este trabalho.

Entre 1969 e 1972, John e Yoko realizaram vários filmes experimentais – como é o caso de “Rape”, “Self-Portrait” e “Erection”, por exemplo –; que foram exibidos em cineclubes ao redor do mundo. Lennon e os Beatles cogitaram filmar, ainda na década de 1960, a obra clássica de J. R. R. Tolkien: “O Senhor dos Anéis”. Segundo Dennis O’Dell, que seria o produtor da adaptação, John interpretaria Gollum, Paul McCartney faria o hobbit Frodo Baggins, Ringo Starr encarnaria Samwise Gangee e George Harrison ficaria com o papel de Gandalf (personagens que combinavam perfeitamente com as personalidades de cada beatle). Diretores como Stanley Kubrick e David Lean foram sondados para a tarefa, mas o projeto nunca foi adiante.

Em um dos versos da música “Metamorfose Ambulante”, Raul afirmava ser um ator. Mesmo nas entrevistas concedidas, ele sempre enfatizou: “Sou tão bom ator, que finjo que sou cantor e compositor e todo mundo acredita”. Depois do casamento com Gloria em 1975, Raulzito descobre que seu cunhado Jay Vaquer havia terminado um curso de pós-graduação em cinema. Com a cabeça fervilhando de ideias, o baiano viaja aos EUA com a esposa e começa a bolar o roteiro de “O Triângulo do Diabo”. Ele queria realizar um longa-metragem, rodado em 16 e 35mm, nos moldes de “Easy Rider” (dirigido por Dennis Hopper em 1969).

Na história, Raul e Gloria encontrariam o misterioso “Homem Novo”. Além das aulas de filosofia ministradas pelo estranho, o personagem entregaria a dupla um mapa indicando o caminho que os levaria ao Triângulo das Bermudas. Os protagonistas embarcariam num navio e, uma vez no local indicado, eles se desintegrariam. Em meados dos anos 1980, Raul também anunciou em entrevistas a produção de “O Edifício”. Sylvio Passos, presidente do fã-clube oficial do cantor, explica as intenções de Raulzito: “Era um filme onde cada andar do edifício retratava uma época na história da humanidade. E a grande busca era saber e/ou falar com o síndico deste prédio que, teoricamente, seria Deus”. Infelizmente, nenhum dos dois longas-metragens foi finalizado.

No disco “Novo Aeon” – lançado em 1975 –, Raul cita os Fab Four na canção “A Verdade Sobre a Nostalgia”, que retrata a rebeldia adolescente: “Mamãe já ouve Beatles / Papai já deslumbrou / Com meu cabelo grande / Eu fiquei contra o que já sou”. É inevitável não notar as similaridades entre as músicas “I Don’t Wanna Be a Soldier, Mama, I Don’t Wanna Die” e “Mamãe Eu Não Queria”; ou mesmo “Peixuxa, O Amiguinho dos Peixes”, que é igualzinha ao andamento de “Ob-La-Di, Ob-La-Da”. Talvez a grande ideia em comum entre os dois tenha sido a “Nutopia”, que lembrava muito a “Sociedade Alternativa” de Raul e Paulo Coelho (só que sem a parte mística introduzida pelos brasileiros).

Enquanto sofria a ameaça de ser deportado dos EUA, na década de 1970, John e Yoko criaram a “Nutopia” (Nova Utopia), país imaginário do qual se declararam cidadãos e primeiros embaixadores. A bandeira nutopiana é inteiramente branca – cor que simboliza a paz – e a canção “Imagine” pode ser considerada o hino nacional desta nação fictícia; que não conheceria guerras, fronteiras e nem religiões. Aliás, é creditada no LP “Mind Games”, de 1973, a faixa “Nutopian International Anthem”; onde não ouvimos nada além de silêncio (na verdade, os cinco segundos que duram essa “música” não passam de um mero espaço em branco no final do Lado A). Já a “Sociedade Alternativa” era baseada em “O Livro da Lei”, obra escrita por Aleister Crowley – o grande popularizador do ocultismo, que se autointitulava “A Besta 666”. Não é preciso nem dizer que a ditadura não deu sossego a dupla. Esperando baixar a poeira, Raul e Paulo Coelho partiram para a América em 1974.

Esta primeira viagem aos EUA também rendeu a lenda do suposto encontro com Lennon. Sobre esse “contato imediato”, Raul afirmou com um certo exagero: “Encontrei com John, ele estava separado da Yoko, num apartamento. Ele era um cara muito firme, muito rápido. Tinha o cabelo todo penteado para cima, com Brilhantina, tipo Mandrake. E um sapato branco... Ele recebeu a gente direito. Conversamos sobre figuras históricas como Calígula, Nero, Gandhi. Gente que fez história. A certa altura, ele me perguntou qual era a figura que representava o Brasil. É, perguntou, imagine, a gente falando de Homero, disso tudo. Aí eu gaguejei: Ca... Ca... Ca... Café Filho. Bicho, o cara não entendeu nada! Ficou ‘what’? ‘Coffee what’? Eu disse: nada, nada. Aí eu enrolei, entrei na conversa sobre Elvis Presley, já mudou tudo. Fiquei em pânico”. Para Marco Antônio Mallagoli, presidente do fã-clube “Revolution” e uma das maiores autoridades em Beatles no país, esse encontro nunca ocorreu. Marco declarou que “Raul tinha valor por si só e não precisaria ter inventado isso”.

Lennon e Raul tiveram finais lamentáveis. Ironia do destino ou não, o pacifista John foi assassinado a tiros por um fã psicótico em frente ao Dakota Building, em Nova York – prédio onde morava com Yoko e Sean, que serviu de locação para “O Bebê de Rosemary”, filme do diretor Roman Polanski – no dia 08 de dezembro de 1980. Raulzito, sempre abusando do álcool e dos mais variados tipos de drogas, tinha diabetes e precisava tomar insulina constantemente. Como ele não se cuidava e continuava bebendo, o baiano sofreu uma parada cardiorrespiratória no flat em que estava hospedado, em São Paulo, e faleceu em 21 de agosto de 1989 (poucos dias antes, em 02 de agosto, seu ídolo Luiz Gonzaga também morreria).

Visivelmente aborrecido por Lennon ter conseguido o visto de permanência definitivo nos EUA, após anos de pendengas judiciais, o folclórico Tim Maia – que chegou a ser expulso da América, nos anos 1950, por posse de drogas – fez a seguinte declaração (revista Pop, número 29, março de 1975): “John Lennon é uma besta e Raul Seixas é uma cópia xerox da burrice. Eles são dois quadrúpedes que só querem justificativa para curtir loucuras. É vigarice das brabas! E se alguém voltar a falar nisso, a gente acaba o papo já”. Tim, por sua vez, requentou a concepção da “Sociedade Alternativa” e tornou-se o grande propagador da “Cultura Racional” que, em termos de canalhice, deixaria qualquer Edir Macedo da vida morto de inveja. Mas isso, pessoal, já é outra história...

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Julian Lennon fala sobre o pai

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