Por Flávia Marques
Maria Olívia Fernandes mora em um apartamento à beira-mar há exatos sessenta anos. Mas é bom que se diga que nem sempre fora assim.
Aos dezessete anos fugiu de casa com o primeiro namorado para nunca mais voltar. Deixava para trás um pai castrador, a madrasta perseguidora, e um bando de irmãs ainda pequeninas, já muito parecidas com a mãe para se salvarem. Não se arrependeu. É bem verdade que o namorado era um fraco e, pouco tempo depois, correu para os braços da mãe, deixando Mariliz sozinha. A solidão da menina não durou muito. Não era o tipo que chora o passado e o dia de ontem já estava longe para ela; vivia o presente com a propriedade de uma Massai, sem nunca ter ouvido falar desta tribo africana. Enamorou-se de um rapaz de sentimentos puros e caráter templário, e foram felizes durante a eternidade dos dez meses que passaram juntos, até que a curiosidade da menina estivesse satisfeita. Seis meses depois do fim deste relacionamento, Mariliz estava casada com o primeiro dos dois amores que de fato teve. Entregou-se ao marido com o desespero dos famintos, e amou pela primeira vez, achando divertidas as agonias dos apaixonados. Meses depois, o marido disse-lhe que precisava sair para comprar cigarros e ela desconfiou de que fosse uma despedida, pois o infeliz nunca na vida havia fumado. Chorou por dois dias seguidos, após os quais, levantou-se e jogou fora todas as coisas do miserável, como passou a chamá-lo. Pintou as paredes do apartamento que ele deixou e, desde então, possui o mesmo endereço.
Por um tempo, Mariliz fez passar por sua cama uma infinidade de homens dos mais variados tamanhos, pesos, cores, cheiros, manias... até que percebeu que não se vingava do ex-marido, mas de si mesma. Anos depois, ao se lembrar dessa fase da vida, dizia que poderia tê-la apagado da memória, não fosse o vazio profundo que a atormentou e marcou o período como tatuagem sobre a testa.
Quatro anos se passaram na mais completa solidão, até que Mariliz abriu-se para a segunda melhor experiência de sua vida; e, às vezes, pensa que talvez tenha sido a única.
Conheceu Aristóteles durante uma das muitas reuniões que deu em sua casa para os amigos e amigos dos amigos, artistas e pessoas medíocres, eufóricos e neurastênicos... um grupo tão divergente que era impressionante que ainda se reunissem quinze anos depois da primeira vez, só por possuírem em comum a amizade velha e folgada que Mariliz oferecia a todos, sem distinção. Adormecida sobre o sofá da sala, Maria Olívia sentiu os braços fortes e o cheiro de livros e menta que se desprendia do homem que a segurava no colo e a levava para a cama. Ainda bêbada de sono, deixou-se despir, e só acordou quando Aristóteles lhe beijava os peitos e afastava suas pernas para colocar a mão em seu sexo e prepará-la para recebê-lo. Surpresa por experimentar o prazer pela primeira vez e, com raiva dos tantos homens que teve e que não souberam dar esse arrepio em ondas que começava no centro do corpo e irradiava para as extremidades, eriçando-lhe os pelos e enfraquecendo-lhe as pernas. Amou-o por isso e muito mais, e viveram os dias mais felizes e os mais infelizes juntos. Mas o tempo, esse algoz que põe fim a tudo, afastou-os como dois estranhos, como se tudo entre eles não tivesse o valor que tem um olhar entre dois desconhecidos que se cruzam ao atravessar uma rua. E se perderam.
Mariliz, como era de se esperar, sacudiu a poeira da tristeza de sobre o corpo mais rápido do que ela mesma poderia supor: continuou a receber seus amigos e os amigos deles em seu apartamento; onde agora ouvem as músicas dos filhos dos que cantavam antigamente. Nas tardes de chuva grossa, senta-se à varanda e lê, pela milionésima vez, O Amor nos Tempos do Cólera, e sente em seu peito que nunca foi Fermina. Seu papel é o de Florentino. Olha para o mar à sua frente, e sonha com um navio bem grande, onde caibam seus amores e ela, velha e sorridente, a bailar entre eles.
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