sábado, 3 de março de 2012

Chantagenzinha Pseudo-romântica

                                                      
                                                          Por Flávia Marques






Meu coração vai molemente dentro do táxi. Olho a paisagem, mas não vejo. Minha cabeça ainda está naquela despedida, repassando cada gesto, cada palavra, tentando entender como fomos tão estúpidos. Seria possível voltar tudo até antes de nos perdermos? Seria mais que um desejo ingênuo tentar resgatar o que nos uniu? Gosto do movimento do carro, deslizando pelas ruas mortas desse domingo de Ramos. Gosto de não ser interrompida e peço ao motorista para dirigir sem rumo pela cidade fantasma, até que eu dê o sinal para me levar para casa novamente. Abro um pouco a janela para que o vento fresco toque meu rosto e seque minhas lágrimas. Odeio ar-condicionado. Não se pode chorar impunemente com o ar condicionado. O taxista olha de vez em quando pelo retrovisor e torce a cara. De que ele está reclamando? Vai ganhar uma nota pela corrida! Deixe-me em paz e dirija! Tenho direito a uma crise de choro depois do fim de um casamento de tanto tempo. Enquanto choro em movimento, ele arruma as malas e sai. Não quis ficar para vê-lo sair. Achei que se não visse seria como se não tivesse acontecido. Que sorte Melinda já estar casada! Que sorte?! Talvez isso mesmo tenha antecipado as coisas. A ausência de nossa filha alargou o buraco que foi se formando entre nós. No início do casamento as diferenças são um charme, depois de um tempo passam a ser o motivo pelo qual você questiona sua escolha. No dia seguinte ao casamento de nossa filha, ele passou a dormir no escritório, e eu, na porta mendigando atenção. Isso não poderia ter dado certo, não é mesmo? Quando Melinda soube levou um choque. – Ah mamãe, como isso foi acontecer? E eu querendo saber a mesma coisa.
 
- Motorista?
- Pois não, senhora.
- O senhor pode me levar para casa agora.
- A senhora não acha melhor dar mais um tempo? Até parar de... A senhora sabe... Chorar?
- Ora, como ousa?
- Desculpe-me senhora, só quis ajudar.


E agora essa! Só quis ajudar. Se ele quiser ajudar pode começar convencendo o Mauro a ficar. Ele nem sabe fazer as malas! Volto para minha casa a hora que eu bem entender. Sei que não deveria, mas quem sabe ele não desiste se me vir sofrer?! Quem sabe um pequeno escândalo? Uma última humilhação! Se surtir efeito, que mal terá? Afinal de contas, Mauro sempre gostou de me humilhar um pouquinho. Tem um prazer sórdido em me ver desesperada por ele. Ou será que sou eu quem gosta de fazer o papel ridículo? Quem sabe a essa altura! Acho que já sei. Posso me oferecer para fazer as malas. Conversa vai, conversa vem, eu penso em alguma coisa. Talvez até passe um pouquinho mal. Acho que vou ligar para a Melinda. Ela sempre o comove com seu ideal de família unida. Ela sempre foi seu ponto fraco. Talvez não seja muito honesto de minha parte, mas vou chorar mais um pouquinho.

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