quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Um Parafuso Fora de Lugar

Por Fabio Ramos


“O caráter de um homem é formado pelas pessoas
 que escolheu para conviver” (Sigmund Freud).

Não vou entediar o leitor com esclarecimentos ou justificativas. Excluído? Vítima da sociedade? Nada disso... O que me trouxe às ruas é assunto meu.

A turba apressa o passo. Enquanto os raios solares da manhã dissipam os fantasmas noturnos, eu permaneço deitado sobre a pilha de papelão (meu colchão rústico). O desassossego da madrugada não permitiu sequer um cochilo! É necessário prestar atenção ao entorno. Saiba que qualquer sombra pode ser uma ameaça. Lugares movimentados, durante o dia, são mais seguros. Estou sob a marquise de um prédio abandonado.

Aos olhos da multidão, somos invisíveis. Muitos seguem em frente e não nos enxergam: pisam quando estamos na calçada; cospem no chapéu onde depositamos as esmolas. Em se tratando de invisibilidade, podemos ser comparados aos garis. A diferença é que, pelo menos, os espectros sociais da limpeza desempenham uma tarefa em prol do coletivo. Nós não. Puxar uma carroça nunca me garantirá auxílio médico, direito à educação, carteira de trabalho assinada etc.

O cabelo desgrenhado e a barba por fazer causam repulsa nos transeuntes. Se nossa existência é despercebida, o mesmo não ocorre com o odor de nossos corpos... Os cidadãos de bem reclamam do cheiro desagradável. Mas o que é a falta de higiene perante a falta de dignidade?

Os alimentos descartados no Mercado Municipal me alimentam. Somos agredidos pela Guarda Civil e os albergues estão sendo fechados, um a um. Nós representamos a sombra e as sobras; uma espécie de lixo ambulante. A grande maioria dos que entraram nessa vida enlouqueceram. Literalmente. Sem casa, sem família, sem carinho. O que resta além da loucura? Qual o segredo para manter a sanidade? As poucas almas benevolentes – que distribuem sopa e vestimentas usadas – não dão conta do vazio que nos aflige. O álcool e as drogas também não apontam uma direção.

Ponha-se no meu lugar: quem trocaria sua vidinha confortável, seus pequenos dramas cotidianos, por uma noite na rua? Você é capaz de imaginar a cena? Sentindo na própria pele o que vivenciamos, você aprenderia a ser grato. Aprenderia a desconfiar das aparências. Só que isso não acontecerá (nem em pensamento) porque eu sou invisível e você não me enxerga.

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