quarta-feira, 8 de junho de 2011

Literatura no Cinema Brasileiro*

Por Fabio Ramos


A relação entre a literatura e o cinema vem de longe. Desde o começo do século XX, os cineastas franceses transpunham textos clássicos para as telas com o intuito de legitimar suas produções cinematográficas. Um grande exemplo disso é o cineasta alemão F. W. Murnau, que filmou duas obras-primas baseadas em livros: “Nosferatu” (uma livre adaptação de Drácula, de Bram Stoker, realizada em 1922) e “Fausto”, de 1926 (inspirado no célebre poema de Goethe).

Por serem duas linguagens distintas, há quem não admire as versões audiovisuais de certos livros – especialmente se essa pessoa já conhecer a obra de antemão. Alfred Hitchcock, por exemplo, confessou a Truffaut que ele não trabalhava com livros famosos justamente para evitar as comparações de seus filmes com as histórias originais. Mesmo que o diretor se mantenha fiel ao texto literário, chega um ponto que adequações precisam para ser feitas para transformar as palavras em imagem e ação (ou seja, o cerne da adaptação cinematográfica).

E quando falamos da literatura brasileira revista pelo cinema nacional, três cineastas me vêm logo à mente: Nelson Pereira dos Santos, Roberto Santos e Joaquim Pedro de Andrade. 

Nelson, um dos pilares do Cinema Novo, realizou vários longas-metragens que usam como fonte o universo de nossos escritores. O romance “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos, foi recriado pelo diretor em 1963 (que conseguiu extrair uma interpretação magnífica da cachorra Baleia). Ele retoma a obra de Graciliano em “Memórias do Cárcere”, de 1984 (transformando o calhamaço do autor alagoano num filme com duração de três horas).

Nelson Pereira dos Santos ainda se dedicou a Machado de Assis (o longa “Azyllo Muito Louco”, de 1970), a Jorge Amado (“Tenda dos Milagres”, de 1977 e “Jubiabá”, de 1987) e filmou “A Terceira Margem do Rio”, de Guimarães Rosa, em 1993.

No ano de 1965, Roberto Santos também revisitou Guimarães – só que a narrativa escolhida foi “A Hora e a Vez de Augusto Matraga” (conto que encerra o livro “Sagarana”). Dizem que o filme de Santos foi a única versão cinematográfica aprovada pelo literato. Entre outras adaptações suas, podemos citar o episódio de “As Cariocas” (da obra de Stanislaw Ponte Preta, 1966) e “O Homem Nu” (baseado numa crônica escrita e roteirizada por Fernando Sabino, 1968).

Já Joaquim Pedro de Andrade realizou “O Padre e a Moça” em 1966, com Helena Ignez vivendo Mariana e Paulo José interpretando o padre (nessa produção inspirada no poema homônimo de Carlos Drummond de Andrade). Três anos depois, em pleno auge do AI-5, o cineasta dirige “Macunaíma”, de Mário de Andrade. Nesse longa-metragem, a personagem Ci – a belíssima atriz Dina Sfat – torna-se uma guerrilheira! Por mais que a conjuntura política brasileira fosse desfavorável à criação artística, o filme constituiu-se a maior bilheteria da história do Cinema Novo. Joaquim ainda filmaria “O Homem do Pau Brasil”, do modernista Oswald de Andrade, em 1981.

Outras adaptações não podem ser esquecidas. Para destacar alguns exemplos, cito “A Moreninha” (dirigido por Lauro Mirko Laurelli em 1970), “A Hora da Estrela” (de Suzana Amaral, 1985), “Policarpo Quaresma – Herói do Brasil” (de Paulo Thiago, 1998) e “Memórias Póstumas”, de André Klotzel (realizado em 2000). Recentemente, duas excelentes transposições cinematográficas também devem ser mencionadas: “Mutum”, de Sandra Kogut (2007) e “Hotel Atlântico”, novamente da diretora Suzana Amaral (2009).

Esse é um tema bastante extenso e não pretendo dissecar cada uma dessas obras. Para quem não conhecesse os longas-metragens aqui citados, vale a pena se aprofundar no universo das recriações literárias do cinema nacional. Leia o livro e assista ao filme!

* Esse texto é dedicado a nossa amiga Fabiana Vascon,
professora de literatura e mãe de Clarice.


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