terça-feira, 4 de fevereiro de 2020

Artrose

Por Denise Fernandes




A médica estranhou eu não sentir dor sempre. Só sinto dor depois de determinados exercícios físicos. Nessas ocasiões, o joelho dói uma dor doída, fina, lá dentro, bem no meio do joelho. Não dá vontade nenhuma de sentir essa dor.

A doutora disse que eu estava com artrose. O que significa que a cartilagem dos meus joelhos foram consumidas. Achei que perdia o meu tempo, mas estava perdendo mesmo era a cartilagem. O tempo nunca foi meu, para que eu pudesse ganhá-lo ou perdê-lo. Tudo o que tenho são células, cartilagens, ossos e sangue.

O Tempo sempre me teve em suas mãos: o Tempo me criou, me educou. Me deu os mais importantes limites, como um bom pai faz com uma filha. O Tempo me gerou. O Tempo me disse pra ser forte (mesmo sabendo que sou fraca). O Tempo construiu essa artrose pra mim, da mesma forma que meu pai me ensinou a colocar a pipa no alto. Será que eu ainda sei pôr uma pipa lá no alto? A impressão que tenho, quando a médica diz que tenho artrose, é que perdi mais que cartilagens ao longo do caminho. Perdi um bom tanto da minha ingenuidade, e uma quantia razoável da minha esperança.

Fiquei mais realista, com o Tempo me acalentando para um futuro que não ousa chegar.

Parece também que ando mais calada, embora eu ainda fale demais. É que, agora, sinto um cansaço das palavras. Sinto um cansaço de tudo o que lembra meu envelhecimento. Prefiro a música do meu tempo, pois parece que esse tempo atual não é mais o meu (eu que sou do Tempo). Como a relação de pai e filha, que se aprofunda ao longo dos anos, tenho me aprofundado em ser eu mesma  e também em não ser mais a mesma.

O Tempo come a tinta do meu cabelo, porque também me acaricia, e me apresenta todos os perigos: os que eu conheço, os que imagino, os que me contam a história da humanidade.

Às vezes, tropeço sem razão nenhuma, e parece que ainda estou aprendendo a andar. Posso rir de mim mesma. Parece que faz pouco tempo que aprendi a amar a minha parte mais idiota. Mas não faz pouco tempo. É que o Tempo se modificou com o amor.

De alguma forma, a artrose me ajuda a me amar um pouco mais.

Nenhum comentário :

Postar um comentário