sexta-feira, 19 de julho de 2019

Calmaria

Por Mayanna Velame




O silêncio abre as cortinas da sala. Por alguns instantes, permito que o vento me abrace. Vou no vai-e-vem da cadeira de balanço. Meu corpo pesado, agora leve, é desprovido de tempo e espaço. E a minha mente, antes cansada, festeja a constatação: o vazio é tudo aquilo que preciso.


O silêncio inicia as horas. O tique-taque do relógio já não me acossa. Como é bom assistir o balé dos ponteiros. São passos bem ensaiados que, embora tristes, exibem a vida em mim.


Na calmaria do meio-dia, pouco me importa o que virá. Pressinto a correria dos estudantes ao redor da esquina. Longinquamente, a buzina do sorveteiro é canção nessa tarde azul fumegante.


Lá fora, o cotidiano avança. Os pássaros gorjeiam melodias que ninguém se atenta em ouvir. No entanto, eu ouço a pulsação da existência. E, com ela, proclamo os ruídos vespertinos: o tilintar de talheres e copos (anunciando o almoço do vizinho), o latido dos cães (alertando o movimento de transeuntes) e o avião entre as nuvens (exaltando a partida de alguém).


Quem vai, um dia volta. Nem que seja como recordação: nas páginas relidas, nas palavras nunca ditas ou nas fotografias perdidas. Na calmaria que sinto, a tarde se aninha em mim  serena e pacífica. Enquanto isso, um casal de idosos senta no banco da praça. Ao esperar a vida, eles adormecem. E nossos sonhos fazem o mesmo...


Silêncio não é omissão. Ele é o grito maior, a rebeldia que expressa educação. Calmaria é ser sutil na hora da dor. Calmaria é navegar em tempestades.


O relógio completa as horas e, mais uma vez, condiciono minha vivência ao tempo. Deixo a cadeira de balanço. Esse fantasma interno só representa o vazio. Fujo das obrigações. Renego deveres. Para haver um amanhã, prezo pelo hoje. Do meu desvario, abro a janela. O entardecer se apresenta feito um lençol maculado, enfeitado de purpurina. Enquanto isso, o sapo coaxa no mato. Ele é tão solitário quanto eu.

Nenhum comentário :

Postar um comentário