terça-feira, 20 de novembro de 2018

O que sobrou da universidade e da cultura?

Por Maurício Perez



Austríaco que imigrou para o Brasil e trabalhava como jornalista da área cultural, Otto Maria Carpeaux escreveu um ensaio intitulado A ideia de universidade e as ideias das classes médias em 1942.


O que chama atenção, após todos esses anos, é a falta de jornalistas com a cultura desse homem (basta ver os cadernos de cultura nos jornais de hoje), a redução da universidade a uma fábrica de diploma e a cultura transformada em ideologia.


Vale a pena ler alguns trechos:


"Por toda parte, as universidades são doentes, senão moribundas, e isto é grande coisa. Os iniciados bem sabem que não é esta uma questão para os pedagogos especializados. Das universidades depende a vida espiritual das nações. O fim das universidades seria um fim definitivo. O abismo entre o progresso material e a cultura espiritual aumenta de dia para dia, e as armas desse progresso nas mãos dos bárbaros é fato que clama aos céus. Os edifícios das universidades resistem ainda, e neles trabalha-se muito, demais, às vezes, mas o edifício do espírito, esta catedral invisível, está ameaçado de cair em ruínas.


O utilitarismo é o inimigo mortal da Universidade. Mas o que quer dizer 'prático', 'útil'? A resposta não é tão simples. Para a mentalidade média do nosso tempo, a utilidade das ciências é determinada segundo as aplicações práticas: a física e a química, que nos forneceram a luz elétrica e os gases asfixiantes, são as ciências úteis; a história e a filosofia, que não nos fornecem nada, são ciências 'inúteis'.


Queixam-se de que as universidades já não fornecem elites. Sim, mas em compensação fornecem verdadeiras massas, porque as ciências modernas e suas investigações têm menos necessidade de cérebros que de batalhões de estudantes; e para isto eles satisfazem. A inteligência que é precisa para estudar uma profissão, mesmo acadêmica, não é tão grande como os leigos imaginam. É o regredir de uma elite à condição de massa ornada de títulos acadêmicos.


É preciso que se digam, aqui, algumas verdades muito impopulares e muito desagradáveis. Existe Inteligência e existem 'intelectuais'. Intelectuais são os médicos, os advogados, os funcionários superiores de toda espécie, os especialistas científicos de toda sorte. Mas deve-se dizer que somente uma parte desses 'intelectuais' pertence à Inteligência, que é, por seu lado, o resto dos 'clercs', da elite de outrora.


O resultado mais frequente da moderna educação universitária é um decidido adeus aos livros. Mais tarde, combaterão as 'línguas mortas' na escola. Enfim, declararão inútil todo o ensino secundário, com as suas ideias vagas e inúteis duma 'cultura geral'; talvez toquem, com isso, no ponto nevrálgico da discussão. Todo o problema espiritual dos nossos dias é, pois, um problema de falta de educação humanística, um problema pedagógico; e todo o problema pedagógico dos nossos dias é um problema da escola específica das classes médias, da escola secundária.


Nunca mais o jovem médico ou engenheiro ouve falar em história, filosofia, literatura, exceto pela imprensa ou pelo rádio, que se colocam ao alcance do espírito das grandes massas, pueris por natureza. Resultado: um espírito artificialmente preservado no estado pueril, com uma formação profissional superposta. Eles, porém, os iletrados, têm sempre razão, porque são muitos e ocupam um lugar de elite, esse 'proletariado intelectual', sem dinheiro ou com ele, isso não importa. Julgam tudo, e tudo deles depende. Leem os livros e decidem sobre os sucessos de livraria, criticam os quadros e as exposições, aplaudem e vaiam no teatro e nos concertos, dirigem as correntes das ideias políticas, e tudo isto com a autoridade que o grau acadêmico lhes confere. Em suma, desempenham o papel de elite. São os nouveaux maîtres, os señoritos arrogantes, graduados e violentos; e nós sofremos as consequências, amargamente, cruelmente".

É autor do blog Correio Chegou.

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